Os pés fora da árvore.

 


Os pés fora da árvore

 

Quando iniciei os estudos, pensava tanta coisa. Isso já há alguns anos, lidando com livros, textos dos mais diversos tipos.

Muitos achismos acabavam por deixar os pensamentos envolvidos em uma névoa, por mais que eu achasse estar vendo com clareza.

Quando tomei conhecimento superficial sobre Thelema, a primeira reação foi de estranhamento, porém, depois aos poucos fui aprendendo a lidar e ver a vastidão que é o sistema que envolve muitas coisas derivadas de outros sistemas.

Quando comecei a estudar Cabala, confesso que fui com alguns conceitos que eu achava corretos, que já havia estabelecido em minha mente, e podia jurar que as coisas começavam e estavam ali em Malkuth. Que o caminho de fato se iniciava ali.

Talvez por falta de conhecimento, talvez por opiniões próprias, eu criei uma relação entre algumas coisas e Malkuth, até que em uma conversa com meu instrutor a fala simples me fez cair em mim: “O Probacionista está fora da árvore.”

Estando ele em Qliphot faria de fato muito mais sentido. Há todo um caos que ocorre, e lidamos com isso no dia a dia. Como pensar estar em um “local mais estruturado”, se nós mesmos não temos conhecimento e nem domínio sobre nós mesmos?




Pensar em Malkuth enquanto plano físico onde as coisas se manifestam, é pensar nos elementos, pensar em um mundo “sólido” um pouco mais organizado. Porém, o Probacionista não está nesse local. Está do lado de fora, de frente para a Porta. Precisa atravessá-la. Precisa cruzar a Ponte...

Note que esse texto é uma reflexão de minhas percepções, de quando me deparei com essa situação de não estar em Malkuth e sim na parte externa da árvore, ali lidando com as Qliphots.

O texto de Frater QVIF consegue elucidar bem isso também. Recentemente o reli, e posso dizer que percebo na prática esse caos.

Como lidamos com isso? Como cruzamos a ponte, a Porta? Com as práticas. Elas que nos levarão aos resultados da mudança fundamental – “pensar e agir do ponto de vista do Sol, não da Terra.”

“Cabe ao Probacionista da A.'. A.'., reconhecer sua condição de habitante do mundo das Qliphots e esforçar-se para sair desta situação - por isso sua tarefa inicial é "descobrir a verdadeira natureza dos poderes do próprio ser" e isto é não só uma "aspiração", como uma "percepção".”

Liber Resh é fundamental em todo esse processo. Executá-lo, não mecanicamente, mas com um propósito específico, a percepção individual, o trabalho que cada um tem sobre si é algo essencial. Não é somente uma prática diária a ser cumprida por tabela. Há algo simples e grandioso ao mesmo tempo, mas que justamente é ponto chave para que essa mudança de paradigma ocorra.

Falar é fácil, pensar, refletir de forma racional também, porém somente a percepção em si é que faz toda a diferença.

O trabalho é árduo e constante. E reconhecer que ainda não se está nem no plano de Malkuth para mim foi essencial. Talvez tenha chegado a rir (de desespero em alguns momentos talvez), porém foi um momento muito importante para os passos seguintes.

Recomendo a leitura dos textos que indico nas referências 10 considerações sobre Malkuth e A mudança fundamental, escritos por Frater QVIF. Eles elucidam bem algumas coisas que citei aqui.

Entretanto, é perceptível o quanto a correnteza insiste em arrastar mesmo quem luta bravamente para se manter no curso.

Quando iniciamos os estudos após assinar o juramento, parece que trazemos uma série de conceitos pré-estabelecidos por nós mesmos, os achismos, as “certezas” que são alimentadas pelo ego. E quando nos deparamos com essas situações que nos colocam contra a parede, que nos dão rasteiras ou nos trazem para a realidade, são momentos que precisam ser apreciados, embora doloridos, pois trazem o movimento, nos tiram da inércia ou pelo menos servem para nos mostrar o quão errado estávamos.

“...o ego sob qliphoth tenta se adaptar ao seu próprio descontrole.

10 - O ego em Malkhut, tenta adquirir o controle e optar, por isso ele se torna um Senhor de Asana, pois não é o controle do externo que é a via, mas do interno.”

Aprecio estudar e aprender, e a retomada é muito benéfica. Ler, reler, recomeçar...

As vezes falta tempo ou falta dedicação, porém o que percebo é que é preciso assumirmos o quanto não sabemos, e o quanto podemos aprender com a nossa própria ignorância. Aquela coisa de esvaziar a xícara, pois com ela cheia o chá novo que chega só transborda...

Malkuth é o plano onde as coisas parecem começar a se organizar, a se manifestar.

“Motta exemplificou para Euclydes que Qliphot pode ser comparado a uma sala escura. Sem enxergar batemos nos obstáculos e com o tempo nos acostumamos. MAS CONTINUAMOS CEGOS.”

Então precisamos das ferramentas para sair das trevas e ir para a Luz. Para conduzir melhor o barco.

Justamente ir para a Luz, significa que ainda não se está lá.

“Na Golden Dawn temos uma dica: o Neófito (equivalente ao Grau de Probacionista da A. A. ) no ritual é convocado a sair das trevas e ir para a Luz. Se ele está em Malkhut, isso seria inviável, pois Malkhut é reflexo de Kether, emanação da Luz Infinita. Crowley em Magick parte 3, no diagrama da árvore da vida nos dá outra dica: antes de Malkhut a uma linha, com o nome "Portae" (Porta). ora, se existe uma porta para Malkhut e o Probacionista ainda não deu o passo inicial dos trabalhos na Árvore da Vida que começa em Makhut, onde ele está????? Pensem...”

Confesso que as sacudidas das tormentas nesse mar têm sido fortes e a jornada tem sido intensa, com seus momentos de calmaria e apreciação, e seus momentos de completo caos. Porém, essa percepção de visualizar o objetivo de chegada ao porto seguro da Terra firme mantém a navegação na direção correta.

Precisamos parar de “tentar nos adaptar” ao escuro, ao entorno em que estamos e achar que já “chegamos lá”. Parar de alimentar uma ideia errônea. Parar de se autoiludir. Fazer o esforço para de fato mudar de “plano”, de paradigma, de percepção, de lugar...

“Se Qliphot pode ser comparado a uma sala escura, Malkhut é uma sala iluminada. Os obstáculos estão lá ainda, terão que ser ultrapassados, mas a percepção deles faz com que possamos escolher a melhor maneira para isso em vez de sermos obrigados a nos submeter a uma adaptação por falta de opção.”



Por fim é um texto que pode não ser cheio de “novidades” para alguns, porém é uma reflexão que pode fazer eco em algumas pessoas.

Precisamos seguir firmes em meio ao caos, precisamos perceber que de fato nossos pés pisam fora da árvore, porém precisamos do elo que nos conecte a ela, a ponte que precisamos atravessar, a porta que precisamos cruzar para finalmente estarmos no plano de Malkuth e começar a nova jornada dentro da Grande Jornada.


Referências:

Frater QVIF -10 considerações sobre Malkuth. Disponível em:

https://blogdaabadia.blogspot.com/2020/04/10-consideracoes-sobre-malkuth.html

Frater QVIF - A mudança fundamental. Disponível em: https://blogdaabadia.blogspot.com/2021/01/a-mudanca-fundamental.html

Jones, Charles Stansfeld - Passando do Velho ao Novo Aeon

Crowley ,Aleister - Liber Resh vel Helios

Crowley ,Aleister – Dever

Fortune, Dion – A Cabala Mística


Soror Ὑπατία


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Estudos Diminutos sobre o Liber 44 ou a Missa da Fênix.

O Aeon da Criança Coroada e da Mulher Empoderada

Osíris é um Deus Negro?