A MUDANÇA FUNDAMENTAL
A mudança fundamental
Vontade
Os aspectos que compõe uma “Linhagem” da Santa Ordem da A.’.A.’. variam com aquele(a) instrutor(a), que em determinado momento iniciou a disseminação dos ensinamentos, renovados por sua própria percepção.
Efetivamente, no Brasil, Marcelo Ramos Motta, Frater Adjuvo, foi não só o pioneiro da divulgação de Lei de Thelema de maneira sistemática, mas continuador de duas Ordens que são veículos de disseminação da mesma: a A.’. A.’. e a O.T.O conforme sua obra de 1962 Chamando os Filhos do Sol.
No caso da Santa Ordem da A.’. A.’. Frater Adjuvo deixou algumas percepções que lhe são próprias, fazendo com que se distinguisse de outros instrutores. Hoje falaremos sobre a percepção da Mudança Fundamental.
A primeira vez que tomei contato com esta visão foi em 1982, quando fui recebido como Probacionista pelo próprio Motta. Depois de um pequeno introito ele foi enfático em dizer duas coisas. A primeira foi que há um erro muito comum de alguns pensarem que o Caminho da Santa Ordem, que tem por base a Árvore Cabalista, começa em Malkhut. “Não”, continuou, “se nós estamos em Malkhut, a Esfera Raiz do Olam Assiah, que nos permite a percepção do aqui e o agora, bem como treinar a percepção do sentido sem classificação, por que vivemos ao sabor dos acontecimentos sem controle? Na verdade, estamos em Qliphot, o mundo das conchas” e ilustrou: “Imagine-se em um barco no meio do oceano. Um dia a está tudo calmo, um marasmo; outro dia as águas se agitam; em outro há tormentas e, tudo volta a calmaria. Qliphot é o mundo onde o ego é predominante e os interesses são voltados para o trivial da sobrevivência. É um mundo onde há a retroalimentação do inútil, da perda de tempo; continua-se no meio do oceano. Como padece de vontade, que dado ao ego é confundida com desejo, tenta-se soluções inúteis: pega-se um remo e vai-se para um lado, para outro, mas não se chega a lugar nenhum, pois o remo representa as teorias religiosas e mesmo algumas místicas, que só querem, limitadamente, aparentar que buscam uma solução e fazer com que nos sintamos melhor. Mas, continuamos em Qliphot”.
Fui tomado por um clarão, pois tudo começou a fazer sentido. Sem que seu perguntasse nada ele continuou: “...nesta situação, devemos aproveitar as tormentas, pois elas são acompanhadas por ventos fortes. Erguer uma vela é a solução. Assim, poderemos nestes momentos, nos deslocarmos de maneira mais rápida e a distâncias maiores. Persistindo nisso, chegaremos a avistar terra. Ora, meu caro, está claro que a vela representa as práticas que você escolherá e persistirá durante um ano e a terra é a porta para uma nova realidade, sendo esta Malkhut”. O seu Grau está fora da Árvore da Vida, é 0 = 0, assim, é lógico dizer que você não está em Malkhut. Todo esforço do Probacionista é para chegar a Malkhut, onde o Caminho começa. Até lá, ele ou ela estarão sob “prova”.
Acrescentou: “...como sua vontade é fraca e você é incapaz de escolher suas próprias práticas eu lhe recomendo Liber Resh, Passando do Velho ao Novo Aeon e Dever, que lhe está sendo entregue agora, pela dificuldade de se obter. (Lembro que era 1982)”.
Antes de continuarmos, devo ressaltar que hoje, como um Instrutor da Santa Ordem, posso entender perfeitamente o que Motta quis dizer com “você é incapaz de escolher suas próprias práticas”. No afã de avançar na Ordem, o Probacionista comete um erro. Ele pega, por exemplo Liber O Vel Manus et Saggitae e pratica Ritual Menor do pentagrama, Ritual maior do Pentagrama, etc., e a pergunta que se faz é essa: esses rituais poderão fazer com que você responda à pergunta – “qual a verdadeira natureza dos poderes de meu próprio ser?” – Claro que não, não percam tempo com isso. Foi por isso que, desde Mestre Therion o Ritual indicado como prática essencial do Grau de Probacionista é: Liber Resh, mas com um detalhe, a lume de “Passando do Velho ao Novo Aeon” e “Dever”.
Um problema atual e recorrente seja dos instrutores da Santa Ordem no Brasil (e também fora do Brasil) é que, sendo uma Ordem de treinamento e não uma Ordem de instrução formal cria-se um abismo entre instrutor e instruído, onde o primeiro adere à pura letra das tarefas, negando-se a passar para o instruído o “espírito” das mesmas, além de suas próprias percepções, pois tradição não é um processo seco de retransmissão de conceitos e ensinamentos, mas a renovação deles sob uma perspectiva individual que não os “fossilize” ou “engesse”, mas os renove. Na verdade, é costume de alguns instrutores, de cima de seu pedestal, silenciar ou ficar irritado com as perguntas do instruído, mandando-os praticar e fazer diário, como se durante o período de Probacionista este tivesse que “se virar”, não perturbando o instrutor, imaginem como era a vida do aspirante a Thelema antes da internet!! Ora, não é à toa que muitos deduzem que não se precisa de instrutor, e daí nascem as anomalias de alguns que chegam rapidamente ao Grau de Mestre do Templo.
Motta dava a seus instruídos (e isso foi confirmado por seu principal instruído no Brasil - Euclydes Lacerda de Almeida – Frater Zarathustra/Thor) informações essenciais para que a tarefas fossem cumpridas, acrescentando uma instrução pessoal que, para ele, era a chave do Grau de Probacionista e o meio pelo qual se poderia, realmente, evoluir na Santa Ordem. Motta considerava esta instrução o diferencial entre os que estavam trilhando o Caminho e os que estavam tateando às cegas. Esta percepção individual ele chamou de “Mudança Fundamental”.
Euclydes Lacerda de Almeida, em uma oportunidade expôs a mim e a outras pessoas o que era essa Mudança Fundamental: “Todos vivemos no Plano de Discos, sob a égide de Qliphot, dizia meu instrutor (Motta). Para que possamos despertar desse sono do ego, precisamos ter um foco no que seria efetivo para entendermos todo o processo. Isso é dado em Liber Resh, as quatro adorações, pois o foco é o Sol, visto de quatro maneira diferentes. Cada uma delas tem uma relação Elemental, vinculada aos quadrantes, onde o Sol é saudado ou adorado. Mas, esse é o ponto de vista da Terra e Passando do Velho ao Novo Aeon nos diz que o Sol não nasce, não chega ao ápice, não morre e nem renasce, isto é uma aparência, pois é a terra que se move em torno do Sol. Ora, se o ponto de vista da Terra é uma aparência, o mundo é o que os hindus chamavam de ‘maya’, uma ilusão que é o domínio do finito ego, que é discriminador e domina nosso sistema Microcósmico como se fosse o único existente, pois se volta para o desejo, que move o mundo - Kosmos. Mas, Passando do Velho ao Novo Aeon, nos corrige essa visão, convidando-nos a adotar o ponto de vista do Sol. Desta forma, se praticado à luz dessa informação, Liber Resh nos leva a percepção de que o eu que adoramos ou saudamos, é algo em nós que é permanente e que reflete não o desejo mutante de um ego mal orientado e convencional, produto de uma cultura, educação social e tradição familiar, mas a Vontade, pois o Sol é o centro de nossa galáxia e como tal é o que rege o sistema. Todos os planetas são astros sem luz. Por que nos identificarmos com os planetas ao em vez do Sol? Assim, a mudança fundamental é a pensar e agir do ponto de vista do Sol, não da Terra. A maneira de fazer isso está em ‘Dever’.”
Vemos, então, que sem essa percepção e ação, não responderemos à pergunta “Qual a verdadeira natureza dos poderes de meu próprio ser”, pois essa resposta está vinculada a entender que o ponto de vista do Sol (Vontade), diferenciada do ponto de vista da Terra (Desejo) é um Caminho que vai de Malkhut à Tipheret, ou da Esfera da Terra à Esfera do Sol, isto no Olam Assiah. Todos nós somos Aspirantes e progressivamente, de Esfera em Esfera, mantendo firme a meta a caminho do Sol, faremos de nossas vidas a expressão daquilo que é dito no Dever em primeiro lugar, que de maneira geral é reelaborar-se como centro de seu próprio Universo, pois assim, chegaremos, com o tempo, à Grande Obra que é a Visão e Conversação do Sagrado Anjo Guardião.
Esses pontos são o diferencial da Linhagem de Motta da Santa Ordem para outras Linhagens. De maneira alguma é o único ponto de vista correto. Para nós brasileiros torna-se primordial, por ser a contribuição de um legítimo membro da Santa Ordem que, a despeito dos buscadores em geral aterem-se aos aspectos polêmicos de sua vida e Obra, deixou um legado iniciático inigualável, que quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, chegam a percepções que realmente interessam.
Amor
Frater Q.V.I.F.
abadiahetheru@gmail.com
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