Técnica de Sacrifício, a arte do fazer sagrado

 


Técnica de Sacrifício, a arte do fazer sagrado

Liber Resh como SACRUM - FACERE do probacionista.

Participando de algumas discussões em grupos relacionados ao trabalho mágico, surgiu o assunto que causa uma excitação fora do usual na grande maioria dos estudantes e aspirantes ao ocultismo que é o daemon, gênio, S.A.G nosso de todo dia ou a nomenclatura que preferir adotar.

Existe muito material na internet, livros diversos, mestres saindo do buraco da tomada garantindo consecuções. As recomendações naquela publicação foram as mais variadas, desde link com PDF, indicação de livro, alguns rituais e afins. Como me comprometi em meu juramento, minha contribuição foi a menção da A.’.A.’. justificando que é o treinamento contínuo desenvolvido por Mestre Therion com o propósito central de estabelecer esse contato e a tal conversação. O que vi de resposta me deixou intrigado, em meio a tantos rituais “receita de bolo” com o mesmo objetivo e até menções ao Juramento do Abismo.  Sobre o trabalho da Santa Ordem um deles disse:

"É fácil encontrar [uma linhagem para ingressar na A.’.A.’.], difícil é entrar. Só os fortes conseguem”. E eu me senti o Rambo por uns dois minutos.

Particularmente quando pedi ingresso fui atendido num tempo muito bom, todos foram muito solícitos em todas as etapas e na aplicação dos exames, tenho mais dificuldade em entrar na opção que quero no atendimento eletrônico de alguns bancos hoje em dia.

Eu diria que se fosse pra colocar nesses termos, “difícil” seria permanecer. E isso só se torna uma dificuldade quando se resiste inflexível ao processo, é difícil permanecer com os mesmos hábitos ordinários sob o influxo desta corrente, nisso eu devo concordar.

Também pode ser uma referência ao enfrentamento dos ordálios, estes muito confusos pro meu entendimento de início, a sensação de saber que vai apanhar e não faz idéia de onde vem a porrada pode afugentar o aventureiro e passei por isso de forma intensa quando introduzi a ritualística thelêmica no meu dia-a-dia, pontualmente na execução do tradicional Liber Resh Vel Helios.




Assim que ingressei no trabalho do probacionista, recebi a orientação de executar o Liber Resh todos os dias e registrar em diário, e não me fiz de rogado na hora de me queixar sobre as dores do sacrifício, sendo negligente com a prática. Mandei por inúmeras vezes meus registros com a observação cheia de exclamações como “odeio fazer o resh!!!” e “essa egiptomania do Crowley!!!”. Recebi como orientação do meu instrutor (que foi um poço de paciência graças a Nuit) a prática de repetição disciplinada e constante, como um contínuo aperfeiçoamento da técnica. Vale a pena fazer a observação de o termo “técnico” tem por origem do grego τέχνη, téchnē, 'arte,ofício'; arte ou maneira de realizar uma ação ou conjunto de ações.

De acordo com Motta, o homem ordinário está com a consciência envolvida por qliphoth, com a atenção voltada aos reflexos entorpecidos pela grande feitiçaria. O influxo superior escorre pelo vaso quebrado que, por sua vez não é pleno e completo em tempo algum, o temido “vazio dentro” que tentamos preencher com inúmeras coisas de natureza material e transitória e assim nunca sentindo saciedade.

Partindo do pressuposto que a busca é obter um conhecimento científico da natureza e dos poderes do meu próprio ser, é importante observar que, para assimilar conceitos de outras realidades é necessário se desfazer dos resquícios psíquicos acumulados até então, provocando a quebra das estruturas fixas erguidas por convenção e obsessões mundanas que possam obscurecer a visão do que é essencial em nosso Ser.

Daí surge a necessidade de quebrar o vaso para que com a matéria prima seja novamente moldado, com atenção e cuidado, a proporção correta de água, terra, tempo de secagem e de fogo. Quem lamenta o desfazimento de um vaso já quebrado e que não serve? Sofre por uma restauração? Nenhum bom artesão o faria.

As pequenas rachaduras silenciosas passam a falsa impressão de integridade, para alguns é suficiente o que se vê externamente por não aparentar o vazio e incapacidade de reter água limpa, não cumprindo seu propósito de existência como vaso, só “parecer” pelo apego e a repulsa da idéia de se desfazer da imagem que se tem hoje, mesmo intuindo algo futuramente melhor.




A fornalha em chamas sempre foi passada como visão dos infernos, mas tão impessoal e cego quanto os ordálios na jornada é o próprio fogo que se enfrenta no decorrer do processo, por mais que o ego sempre tente deturpar ao seu desejo os eventos da nossa vida e queira dizer o contrário, são desafios de natureza imaterial com o propósito de aprimoramento individual e tomados por juramento consciente.

Somos assombrados desde muito cedo com a ideia de que “o fogo é destruidor, consumidor, por onde se alastra só resta nada, cinzas!”, choraminga o temeroso, que expulsa com toda força a ideia de “não ser”, que sabe da obliteração que sofrerá quando o Sol ocupar aquele espaço anteriormente pequeno e sufocado de cascas como invólucro e chama a atenção para a dor que também é passageira e ínfima comparado com o resultado do processo que tem nome, o calcinatio dos alquimistas, o fogo que inicia e termina todas as coisas.




Usando a figura de linguagem da casca e falando agora de pinto, é lógico pensar que se o animal dispersa a força em várias direções ao sair do ovo, pode demorar mais para romper a casca do que se concentrasse seus esforços em uma direção.

[...]O pássaro luta para sair do ovo. O ovo é o mundo. Aquele que nasce deve destruir um mundo. O pássaro voa até Deus. O nome desse Deus é ΑΒΡΑΣΑΞ.     Demian, H. Hesse.

Com o passar do tempo e na observação do ritual que me causava tanto desconforto, cada vez mais me entregava ao ato na mesma proporção em que ele me provocava uma reação sensorial, a corrente torna-se perceptível, os momentos da adoração solar passaram a ser os minutos de alívio dos ordálios e o reforço da minha concentração em um propósito, em um caminho.

Concentrar, dando um foco e o centro na prática e por todo caminho Tahuti permanece em esplendor na proa, enquanto Ra-Hoor sustenta o leme como braço forte do aspirante e evitando o mau direcionamento da barca. Pode surgir a pergunta da necessidade de ter um ponto fixado como propósito e esta resposta aparece com a execução do ritual e com todos os obstáculos no caminho desde o momento da assinatura do juramento.

[...] Um homem tem apenas que afirmar a sua aspiração consciente, e o inimigo pula sobre ele.          

Liber ABA

A dispersão, divisão, difusão desordenada é um enfrentamento presente na jornada do buscador, não só no início quando isso se apresenta de inúmeras formas no nosso dia-a-dia, os boletos, relacionamento ou rede social. Tudo era motivo pra deixar o Resh pra depois, pra começar a fazer corretamente amanhã e hoje o que parecem pequenas distrações inocentes podem minar na construção sólida da base da pirâmide que nos faz falta em momentos cruciais do caminho. Vemos este perigo personificado na figura de Choronzon no Liber 418 em ZAX, Xº Aethyr em uma consecução do Mestre Therion tão grandiosa quanto a recepção do Liber AL que foram as explorações nos Ares enoquianos com o probacionista Omnia Vincam. 

[...] Saiba-te que não existe Invocação no décimo Aethyr, pois Choronzon é Dispersão e não pode fixar a tua mente em qualquer coisa de qualquer período. Tu não podes vencê-lo em argumentação, Ó tagarela; tu foste comandado, não falas com Choronzon? Ele não pediu para entrar no círculo ou deixar o triângulo ainda que tu tagarelasses todas essas coisas.

(Aqui o Escriba ameaçou o demônio com fúria e dor e inferno. O demônio replicou:)

Pensaste, Ó tolo que não existem fúria e dor que não façam parte de mim ou qualquer inferno além deste meu espírito? Imagens, imagens, imagens, todas descontroladas, todas irracionais. A malícia de Chorozon não é a malícia de um ser; é a qualidade da malícia em si, pois ele que se ostenta com o "Eu sou Eu" não tem ninguém e estes são os caídos ante meu poder, os escravos do Cego que alardeou ser o Iluminado. Porque não há centro, nada além da dispersão.

A Visão e a Voz, 10º Aethyr.





 

Aquele que não vence uma fração disso no probacionato poderia resistir mais à frente?

Em função disso, o treinamento fornece métodos seguros e efetivos para conclusão de etapas fundamentais nos muitos trabalhos presentes na Santa Ordem da A.’.A.’., tanto nos escritos quanto nos ocultos. Concluímos que é mesmo difícil? Talvez nem tanto assim, será? Sem pretensão de concluir coisa alguma, encerro com os versos que lembram do pau que bate em Chico, bate em Francisco também e não teve colher de chá nem pro desmaio do Profeta do Aeon quando o papo era ordálio.  

[...] 33. Então o sacerdote caiu em um profundo transe ou desmaiou, e disse para a Rainha do Céu; Escreve para nós os ordálios; escreve para nós os rituais; escreve para nós a lei!

34. Mas ela disse: os ordálios eu não escrevo: os rituais deverão ser metade conhecidos e metade ocultos: a Lei é para todos.

Liber AL Vel Legis, I.

No fim caro probacionista, aqui entre nós que “capotamo o celta” várias vezes nesse caminho e as algumas delas sem entender porra nenhuma do que tá acontecendo.

Posso te dizer que é coisa parecida com tatuagem ou musculação. Dói? Sim, e não tem anestesia pra isso, mas mesmo depois de horas rasgando sua pele de fora a fora, não tem nada melhor que ver o trabalho feito, bonito e bem cuidado. A dor não desabona a beleza da coisa, se nem todos os sacrifícios valem a pena, que possamos escolher bem pelos quais passar e se for da vontade, resistir. Não há mérito e nem demérito no fazer e não fazer, existe a escolha movida por um ato de vontade.

44.Tu te esforças sempre; mesmo em te entregando, tu te esforças por entregar-te - e vê! tu não te entregas.

45. Vai aos lugares mais extremos e submete todas as coisas.

46. Submete teu medo e teu desgosto. Então - entrega-te!

LIBER CORDIS CINCTI SERPENTE VEL ADONAI.


FR. DEMIAN.


(English version)


Sacrifice Technique, the art of the sacred doing.

Liber Resh as SACRUM - FACERE of the Probationer.

Participating in some discussions in groups related to magical work, the subject came up that causes an unusual excitement in the vast majority of students and aspiring occultism, which is our daily daemon, genius, S.A.G or whatever nomenclature you prefer to adopt.

There is a lot of material on the internet, various books, masters coming out of the socket hole guaranteeing achievements. The recommendations in that publication were the most varied, from link with PDF, book indication, some rituals and the like. As I committed in my oath, my contribution was the mention of the A.’.A.’. justifying that it is the continuous training developed by Master Therion with the central purpose of establishing this contact and such conversation. What I saw in response left me intrigued, in the midst of so many “cake recipe” rituals with the same objective and even mentions of the Oath of the Abyss. About the work of the Holy Order one of them said:

“It's easy to find [a lineage to join the A.’.A.’.], it's hard to get in. Only the strong can.” And I felt like Rambo for a couple of minutes.

Particularly when I asked for admission I was assisted in a quite short time, everyone was very solicitous at all stages and in applying the exams, I have more difficulty in entering the option I want in the electronic service of some banks nowadays.

I would say that if I were to put it in these terms, “difficult” would be to remain. And this only becomes a difficulty when the process is inflexibly resisted, it is difficult to remain with the same ordinary habits under the influence of this current, on that I must agree.

It can also be a reference to coping with ordeals, which are very confusing for my understanding at first, the feeling of knowing you're going to be beaten and having no idea where the hit is coming from can scare away the adventurer and I went through it intensely when I introduced the rituals thelemic in my day-to-day, punctually performing the traditional Liber Resh Vel Helios.



As soon as I entered the work of the probationer, I was instructed to perform Liber Resh every day and journal, and I did not pleading with complaining about the pains of sacrifice, being careless with the practice. I sent my records over and over again with the remark full of exclamations such as "I hate doing the resh!!!" and "this Crowley Egyptomania!!!". I received as guidance from my instructor (who was a lot of patience thanks to Nuit) the practice of disciplined and constant repetition, as a continuous improvement of technique. It is worth noting that the term “technical” comes from the Greek τέχνη, téchnē, 'art, craft'; art or way of performing an action or set of actions.

According to Motta, the ordinary man has his consciousness involved by qliphoth, with attention turned to reflexes dulled by great sorcery. The upper inflow flows through the broken vessel which, in turn, is not full and complete at any time, the dreaded “emptiness within” that we try to fill with countless things of a material and transitory nature and thus never feeling satiety.

Assuming that the search is to obtain a scientific knowledge of the nature and powers of my own being, it is important to note that, in order to assimilate concepts from other realities, it is necessary to get rid of the psychic remnants accumulated until then, causing the break of the fixed structures erected by worldly convention and obsessions that may obscure the view of what is essential in our Being.

Hence the need to break the vase so that with the raw material it is molded again, with attention and care, the correct proportion of water, earth, drying time and fire. Who regrets the undoing of a vase that is already broken and does not serve? Suffering for a restoration? No good craftsman would.

The small silent cracks give the false impression of integrity, for some what is seen externally is enough for not appearing empty and inability to retain clean water, not fulfilling its purpose of existence as a vase, only "appearing" by attachment and repulsion the idea of ​​getting rid of the image we have today, even intuiting something better in the future.



We are haunted from a very early age with the idea that “fire is destructive, consuming, where it spreads there is nothing left, ashes!” whines the fearful one, who expels with all his strength the idea of ​​“not being”, who knows about obliteration that will suffer when the Sun occupies that space previously small and suffocated of shells as a casing and draws attention to the pain that is also fleeting and tiny compared to the result of the process that has a name, the calcinatio of the alchemists, the fire that initiates and ends all things.



Using the figure of speech of the shell and speaking now of the chick, it is logical to think that if the animal disperses the force in several directions when leaving the egg, it may take longer to break the shell than if it concentrated its efforts in one direction.

“The bird fights its way out of the egg. The egg is the world. Who would be born must first destroy a world. The bird flies to God. That God's name is ΑΒΡΑΣΑΞ.”    Demian, H. Hesse.

As time went by and observing the ritual that caused me so much discomfort, I increasingly surrendered to the act in the same proportion as it provoked a sensory reaction, the current becomes perceptible, the moments of solar worship became the minutes of relief from the ordeals and the strengthening of my concentration on a purpose, on a path.

Concentrate, giving a focus and center in practice and Tahuti standeth in His splendour at the prow, and Ra-Hoor abideth at the Helm as the aspirant's strong arm and avoids misdirection of the bark. The question of the need to have a fixed point as a purpose may arise and this answer appears with the performance of the ritual and with all the obstacles in the way from the moment of signing the oath.

[…] A man has only to affirm his conscious aspiration; and the enemy is upon him.

Liber ABA

Dispersion, division, disorganized diffusion is a confrontation present in the seeker's journey, not only at the beginning when it presents itself in countless ways in our daily life, the slips, relationships or social network. Everything was a reason to leave Resh for later, to start doing it right tomorrow and today what seem like innocent little distractions can undermine the solid construction of the base of the pyramid that we miss at crucial moments along the way. We see this danger personified in the figure of Choronzon in Liber 418 in ZAX, X° Aethyr in a Master Therion's achievement as grand as Liber AL's reception were the Enochian Ares explorations with the probationer Omnia Vincam.

[...]Know thou that there is no Cry in the tenth Aethyr like unto the other Cries, for Choronzon is Dispersion, and cannot fix his mind upon any one thing for any length of time. Thou canst master him in argument, O talkative one; thou wast commanded, wast thou not, to talk to Choronzon? He sought not to enter the circle, or to leave the triangle, yet thou didst prate of all these things.

(Here the Scribe threatened the demon with anger and pain and hell. The demon replied:)

Thinkest thou, O fool, that there is any anger and any pain that I am not, or any hell but this my spirit? Images, images, images, all without control, all without reason. The malice of Choronzon is not the malice of a being; it is the quality of malice, because he that boasteth himself "I am I", hath in truth no self, and these are they that are fallen under my power, the slaves of the Blind One that boasted himself to be the Enlightened One. For there is no centre, nay, nothing but Dispersion.

The Vision and the Voice, 10th Aethyr



Could someone who doesn't win a fraction of that in probation resist further ahead?

As a result, training provides safe and effective methods for completing fundamental steps in the many works present in the Holy Order of the A.’.A.’., both in writing and in occult ones. Do we conclude that it is really difficult? Maybe not that much, is it? Without intending to conclude anything, I end with the verses that remind us of “the stick that hits Chico, hits Francisco too” (Brazilian saying “pau que bate em Chico, bate em Francisco também” with a similar meaning like “two can play at a game, "What's sauce for the goose is sauce for the gander." , “the law is equal to everyone”) and there was no "cutting some slack “ for the fainting of the Prophet of Aeon when the talk was ordeal.

[...]33. Then the priest fell into a deep trance or swoon, & said unto the Queen of Heaven; Write unto us the ordeals; write unto us the rituals; write unto us the law!

34. But she said: the ordeals I write not: the rituals shall be half known and half concealed: the Law is for all.

Liber AL Vel Legis, I.

In the end, dear Probationer, here among us who “screw things up” (in the original “capotamos o celta” , something like “overturned the celta (car)” several times along this path and some of them without understanding a damn thing what's going on.

I can tell you it's something akin to tattooing or bodybuilding. It hurts? Yes, and there's no anesthesia for that, but even after hours of tearing your skin apart, there's nothing better than seeing the work done, beautiful and well cared for. Pain does not undermine the beauty of the thing, if not all sacrifices are worth it, let us choose well which ones to go through and, if we feel like it, resist. There is no merit or demerit in doing and not doing, there is a choice moved by an act of will.

44. Thou strivest ever; even in thy yielding thou strivest to yield -- and lo! thou yieldest not.

45. Go thou unto the outermost places and subdue all things.

46. Subdue thy fear and thy disgust. Then -- yield!

LIBER CORDIS CINCTI SERPENTE VEL ADONAI.

FR. DEMIAN.


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