Você tem Medo de ̶B̶i̶c̶h̶o̶-̶P̶a̶p̶ã̶o̶ Ordálios?

 



Você tem Medo de Bicho-Papão Ordálios?


Ordálios ou ordálias é um tema que sempre foi alvo de curiosidade por parte daqueles que desejam iniciar sua jornada na Santa Ordem, ou mesmo por seus Aspirantes. Há muitas dúvidas quanto a sua atuação e influência na vida cotidiana, o que os fazem serem muito temidos e mal interpretados. 

A Astrum Argentum é uma Ordem de Treinamento e de Ordálios, onde os mesmos são ativados na assinatura do juramento, quando o Aspirante gozando de livre arbítrio e saúde mental plena assume um compromisso para com a sua futura jornada espiritual.

É muito comum os Aspirantes confundirem os ordálios com os problemas da vida, que são inerentes a todos, sejam financeiros, familiares, de saúde, relacionamentos etc.

Mas o que são exatamente os ordálios? 

Etimologicamente, a palavra ordálio, tanto no latim “ordalium”, quanto do saxão, “ordal e ordel” ou de derivações do franco ou teutônio “urdela”, significam julgamento, porém aquele ausente da interferência das pessoas, no sentido de uma justiça absoluta, vinda de Deus. (fonte: Dicionário Houaiss.) A etimologia fala de justiça divina, e se pararmos para analisar, em Thelema não há Deus senão o próprio Ser Humano, certo? Então, não seria autojulgamento ou melhor, ajustamento?

Como especulação proponho algumas reflexões sobre o Atu VIII, O Ajustamento. Vamos ao Livro de Thoth:

“(...) sua expressão demonstra sua secreta e íntima satisfação pelo domínio sobre todo elemento de desequilíbrio no universo. Esta condição é simbolizada pela espada mágica que ela segura nas duas mãos e os pratos de balança ou esferas nos quais ela pesa o universo, Alfa, o Primeiro equilibrado exatamente com Ômega, o Último. Estes são os Judex e Testes do Juízo Final; os Testes, em particular, simbolizam o andamento secreto do julgamento por meio do qual toda experiência corrente é absorvida, transmudada e finalmente passada à frente (...) à outra manifestação.

O equilíbrio permanece apartado de quaisquer preconceitos individuais (...). Neste sentido, a natureza é escrupulosamente justa. É impossível deixar cair um alfinete sem desencadear uma reação correspondente em toda Estrela. A ação perturbou o equilíbrio do universo.

Ela é a parceira e o cumprimento de O Louco. Ela é a ilusão última que é manifestação; ela é a dança, de muitas cores, de muitas manhas, da própria vida. Em rodopio constante, todas as possibilidades são desfrutadas sob o espetáculo-fantasma do espaço e do tempo: todas as coisas são reais, a alma é a superfície precisamente porque elas são instantaneamente compensadas por este Ajustamento.

(...) Mais do que isso, ela é a completa fórmula da díade. A palavra AL é o título de O Livro da Lei, cujo número é 31, a mais secreta das chaves numéricas daquele Livro. Ela representa manifestação que é possível sempre se compensar pelo equilíbrio dos opostos.

Suas atribuições desenvolvem esta tese. Vênus rege o signo da Balança (Libra) e isto é mostrar a fórmula: “Amor é a lei, amor sob a vontade”. Mas Saturno representa, acima de tudo, o elemento tempo, sem o qual o Ajustamento não pode ocorrer, pois toda ação e reação ocorrem no tempo, e, portanto, o tempo sendo ele mesmo meramente uma condição dos fenômenos, todos os fenômenos são inválidos porque não compensados.

Toda forma de energia tem que ser dirigida, tem que ser aplicada com integridade para a satisfação plena de seu destino.”

Implicitamente, o Atu VIII - O Ajustamento - ilustra através de sua simbologia aspectos inerentes ao equilíbrio entre as polaridades. Tais trechos retirados das considerações sobre o Arcano conseguem demonstrar um pouco do que Crowley desejava expressar pela arte, nada mais do que as peculiaridades das forças envolvidas no processo de ajustamento, do equilíbrio do Universo que está sempre em mutação para se manter estável. Não à toa julgo (conforme indicações da etimologia) este Arcano possuir estreitas correspondências aos pontos cegos de atuação dos ordálios.




          Deixando as especulações teóricas e subjetivas de lado, vamos à parte prático-científica.

Os ordálios são provas de cunho iniciático que ocorrem no decorrer do trabalho espiritual na A.˙.A.˙. para serem superadas. Há um modus operandi bem complexo por detrás de sua ação, onde a egrégora espiritual manipula forças “cegas” que envolvem o Aspirante de forma que não possa, por vezes, compreendê-las e nem sequer prever de onde possam se originar. Eventos acontecem para testar a persistência do Aspirante em trilhar o caminho iniciático a fim de ceder às quebras de padrões necessárias para esvaziar, pouco a pouco, as bagagens que emergem das camadas adormecidas do inconsciente, até começar a despir-se por completo das roupagens da personalidade. 

“As Ordálias tu fiscalizarás tu mesmo, salvo apenas as cegas. (...)” (AL III: 42)

Olhando por outro ângulo, sendo o trabalho na Santa Ordem entre o Aspirante e ele mesmo, fica mais fácil visualizar que os ordálios não procedem do exterior, e sim possuem um mecanismo de atuação que conjuga as emanações da egrégora espiritual com os impulsos da natureza interna da pessoa que se projetam na sua vida, a fazendo deparar-se com um grande espelho que ora reflete a realidade (conforme o seu estado de consciência) ora a ilusão, numa sequência de loopings ativados por gatilhos provenientes do dia a dia. Já temos ciência que vivemos num mundo de Matrix, mas ao alcançarmos essa percepção, passamos a ter certeza da nossa não realidade. Mas isso é um processo extremamente pessoal de compreensão cognitiva a ser conquistada gradativamente no decorrer do trabalho espiritual. 

“Obedecei meu profeta! Cumpri as ordálias do meu conhecimento! Buscai-me apenas! Então as alegrias do meu amor vos redimirão de toda pena. Isto é assim; Eu o juro pela cúpula de meu corpo; por meu sagrado coração e língua; por tudo que Eu possa dar, por tudo que Eu desejo de vós todos.

Então o sacerdote caiu em um profundo transe ou desmaio, e disse à Rainha do Céu: Escreve para nós as ordálias! Escreve para nós os rituais; escreve para nós a lei!

Mas ela disse: as ordálias Eu não escrevo; os rituais serão metade conhecidos e metade escondidos: a Lei é para todos.” (AL I: 32-34)

Comentários do Liber AL: “As Ordálias são presentemente executadas sem que o Candidato saiba (...). Esses que Ele aceita para iniciação testificam que estas Ordálias são frequentemente independentes do seu controle consciente. Elas não são, como as ordálias da tradição, formais, ou idênticas para todos; o candidato percebe em circunstâncias que permitem um real teste de conduta, e o compelem a descobrir sua própria natureza, a se tornar cônscio de si mesmo, ao trazerem seus motivos secretos à superfície.”

Abrindo um parêntese: novamente vale ressaltar que o trabalho espiritual da Santa Ordem é entre o Aspirante e ele mesmo. Se sua vida está péssima e você acha que a culpa é das práticas que reverberam energias nocivas, ou que a egrégora espiritual possui uma vibração pesada ou densa, sinto lhe avisar que o problema é somente seu, pois você está sob a influência de suas próprias projeções, seu próprio reflexo o tempo todo.

Para se ter uma ideia, cada grau da A.˙.A.˙. possui seus ordálios específicos, o que não significa que alguns deles possam se perpetuar sucessivamente nos demais graus. Um exemplo: um dos ordálios do probacionista é a dispersão, e neste caso ela atua de forma com que o Aspirante desfoque do objetivo do grau. Uma vez percebida (conscientemente) tal condição e o Aspirante passe a agir com persistência, se torna mais fácil superar tal prova e a Grande Obra do seu grau ser concluída.

O que fazer para amenizar os ordálios?

Por sua natureza intrinsecamente espiritual, pode-se verificar que o foco dos ordálios é sempre o Eu, a Individualidade, sendo o Ego a ferramenta de agência que influencia ao promover resistência, de forma irracional, visando desviar o Aspirante de obter as percepções necessárias para superar as provas, ou seja, obter as mudanças conscienciais que precisa alcançar em sua jornada a fim de experienciar a completude: o Conhecimento e Conversação do SAG.

Sendo assim, a solução é iniciar a educação do Ego desde o princípio da sua jornada. Não há nada melhor do que executar o Resh diariamente e realizar uma boa prática de Asana. O treinamento mágicko não faz parte do currículo por acaso. 

“A Me reverenciai! A me vinde através de tribulação de ordália, que é deleite.

O tolo lê este Livro da Lei, e seu comento; & ele não o compreende.

Que ele passe pela primeira ordália, & será para ele como prata.

Pela segunda, ouro.

Pela terceira, pedras de água preciosa.

Pela quarta, ultimais fagulhas do fogo íntimo.” (AL III: 62-67)

Contudo, pode-se ver, que a função do ordálio é fazer com que se possa adquirir, durante o processo iniciático, novos estados de consciência, como produto do Eu, da nossa porção divina e não do Ego. Não se esqueça que iniciação é mudança de estado de consciência e a experiência da gnose é espiritual (Eu) e não intelectual (Ego). 

Portanto, Aspirante, não precisa temer seu bicho-papão de estimação. Ele surgirá quando menos imaginar, mas seja esperto, e ao invés de brincar de pique-esconde com ele, o encare, o acolha como aquele colega de trabalho chato, que mesmo te irritando irá te auxiliar a alcançar suas metas. 



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