Algumas considerações acessórias sobre o Limiar

 


O presente estudo não tem por finalidade alguma propor algum tipo de consecução visto que isso é extremamente pessoal, tendo somente a finalidade expositiva de questões cabalísticas e fechando uma primeira parte de textos sobre o trabalho nas sephirot que vem sendo publicados ao longo dos anos. E se você chegou pela primeira vez nesse texto sugiro que dê uma pausa na leitura aqui e procure pela internet:

10 considerações sobre Malkuth - 9 considerações sobre Yesod - 8 considerações sobre Hod - 7 considerações sobre Netzach.

O conceito de limiar é deveras interessante, além dos tradicionais: limiar que delimitam severamente limites e fronteiras. Também umbral, isto é, local de entrada interior, ambos são termos técnicos de carpintaria para portal e portas ou melhor a soleira da porta, há um preciso porém menos conhecido significado nos velhos alfarrábios de dicionários que é o ponto inicial. Ora se temos um ponto inicial temos percursos a frente e claro atrás onde outros pontos já iniciados depois de cruzados se tornam passados, e dentro deste assunto o coração é o único guia e o parâmetro será o “aqui e agora” do tempo presente, sendo qualquer viagem no tempo ou espaço indicações de desvios.

Na tradição esotérica ocidental como Rosacrucianismo e afins o nome daquele que realiza esse trabalho é o Dominus Liminis, traduzido como Senhor do Limiar, porém podendo também ser o Guardião do Limiar ou o Habitante do Limiar, talvez poeticamente eu prefira a última.  O mais famoso termo "habitante do limiar" foi introduzido ao público por Edward Bulwer Lytton em seu romance rosacruciano Zanoni (1842). O capítulo IV do romance chama-se na realidade "O Habitante do Limiar" e começa com a citação: "Fique por detrás do que possa haver - Eu levanto o véu".



O habitante no limiar marca assim uma passagem de fronteiras e a descoberta de um espaço secreto e potencialmente até sagrado atrás de um véu. Para levantar este véu, contudo, o aspirante precisa enfrentar o habitante ou senhor que guarda a soleira. Isto explica o termo latino "Dominus Liminis". E aqui implicamos a primeira consideração sobre o que ou quem é este(a) senhor(a)a da Soleira? Ok é um trabalho em tanto.

Já vimos anteriormente (se não viu, vai lá ver) que todo um trabalho nas Sephirot (ante) inferiores foram realizados principalmente de (re)educação e (des)construção do Ego, sem o qual somos simplesmente enganados por nós mesmos, em nossos loops constantes ou desvios sistêmicos.

No entanto, se o nosso subconsciente é central nas nossas relações do cotidiano, como é que interage e influencia no trabalho mágico com as outras quatro Sephiroth que o rodeiam? Compreender como estes elementos das nossas personalidades se desenvolvem e interagem é um passo essencial para nos aproximarmos ao trabalho do habitante no limiar...

Obviamente se trata de um trabalho de Aspiração, o desejo ardente, almejar, um querer ígneo (essa última aí fica na minha conta), mas sim é um trabalho de Inteligência, de provação, porque o(a) aspirante deve permanecer sobre o limiar (ou seja naquela encruza dele ou dela).  Porque atrás dele estão as experiências e forças das sephirot anteriores e a sua frente o famoso e grande Véu de Paroketh ou o acesso a Rosa Rubra sobre a Cruz Dourada ou a Ordem dos Amantes. Logo um dominus liminis é também um Frater Rosae Rubeae, Lumen em Centrum, Corpus Christi, enfim escolham o título mais adequado. Voltando a encruzilhada muitos autores referem se ao caminho de Samekh visto que é um trabalho de romper dos véus, porém por experiência eu prefiro abordar uma encruza trina de Nun, Samekh e Ayn pela característica e importância que o trabalho envolve. Epistemologicamente toda encruzilhada é não só um encontro de caminhos como uma afluente, subafluente e confluente de vias, todos os caminhos são meandros, e todas experiências e percepções são válidas porém transitórias comparadas ao observador silente da consciência que é eterno.

Uma tradução literal do termo "véu de Paroketh" lê-se simplesmente "o véu do véu" como paroketh é a palavra hebraica para véu. Israel Regardie, contudo, também lhe chama "o véu do Tabernáculo". O que este termo significa é o véu específico que foi colocado em frente da parte mais sagrada e afastada do templo. A tradição de separar o espaço do templo que era acessível ao público do santuário interior por um véu pode ser traçada até aos tempos bíblicos do Antigo Testamento:

"Far-se-á uma cortina de fios azul, roxo e carmesim, e de linho fino torcido; será feita com Cherubim habilmente trabalhado nele. Pendurá-los em Quatro Pilares de Acácia revestidos de Ouro, que têm Ganchos de Ouro e repousam em Quatro Bases de Prata.  Pendurarás a Cortina debaixo dos Fechos, e levarás a Arca da Aliança para dentro da Cortina; e a Cortina separará para ti o Lugar Santo do Santíssimo. Colocará o Cadeirão da Misericórdia sobre a Arca do Pacto, no Lugar Santíssimo.  Colocareis a Mesa fora da Cortina, e o Candelabro no Lado Sul do Tabernáculo em frente à Mesa; e colocareis a Mesa no Lado Norte. Fará uma tela para a Entrada da Tenda, de Fios Azul, Roxo, e Carmesim, e de Linho Torcido Fino, Bordado com Agulha. Farás para a Tela Cinco pilares de Acácia, e cobri-los-ás com Ouro; os seus ganchos serão de Ouro, e lançarás Cinco Bases de Bronze para eles".

 (Êxodo 26:31-37)

"No entanto, o meu Limiar está formado a partir de toda a timidez que permanece em ti, a partir de todo o pavor da força necessária para assumir plena responsabilidade por todos os teus pensamentos e acções. Enquanto houver em ti um vestígio de medo de te tornares tu próprio o guia do teu próprio destino, só por muito tempo faltará a este Umbral o que ainda falta construir nele".

(Rudolf Steiner, Conhecimento dos Mundos Superiores, Capítulo X - O Guardião do Umbral)

Tendo em vista que a maioria das pessoas é educada para preservar a conformidade de valores, metas e prazeres estabelecidas pelo filtro do ego, a mente humana é uma das principais defensoras desse padrão egóico - já dizia uma pichação num muro no Rio de Janeiro - “Vamos todos morrer de conforto”.

A partir deste ponto, aqueles que sentiram lá atrás, aquela insatisfação, aquele desejo de um algo a mais, aquele comichão de desenvolvimento pessoal, saibam que são extremamente necessários os momentos significativos de crise para perturbar a conformidade estabelecida dos filtros e permitir que eles se ajustem de uma maneira nova e inesperada. Gerando uma nova percepção, uma nova ação, logo um novo estado de consciência.  A maioria dos rituais visa precisamente este processo: eles são projetados para esgarçar os filtros de nossa percepção e para desestabilizar a personalidade de forma controlada e responsável. Eles rasgam os filtros que antes eram bloqueados por projeções do ego e permitem ao estudante entrar em contato com energias que antes eram completamente remotas e ocultas ao seu estado de ser anterior. Para muitos praticantes, esta experiência é altamente inquietante - pois quando realizam estes rituais já não estão acostumados a experimentar nenhum estímulo direto ou não filtrado de fora de suas personalidades.

 


Voltando agora aos “Cabalismos”: Paroketh de acordo com sua Gematria significa um estado de harmonia na interação com o mundo físico. Trazer seus movimentos e ações em harmonia com o mundo manifestado - em vez de permitir que nosso ego os distorça com base em nossas próprias projeções, desejos, medos e ilusões - parece ser a chave para superar o habitante no limiar, que aliás nos é muito familiar (meia palavra já basta).

"Lembrai-vos de que a Força desequilibrada é o mal. Excesso de Misericórdia é fraqueza; excesso de Severidade é opressão. Além disso, o fascínio do mal às vezes é tão perigoso quanto o medo. Em qualquer caso, ele pode esperar ser confrontado antes de tudo por seu gênio mau." (Liber Aba)

Transcender o véu de Paroketh é uma questão de substituir a função tradicionalmente mantida por nosso ego com seus afluentes e confluentes. A visão do espelho subconsciente passivo da lua (Yesod) vai ganhando um olhar de revesguete[1] , assim meio canto de olho, acrescentando e depois substituído pelo fogo consciente ardente do sol (Tiphareth).

E aqui de novo a simbologia do Fogo se faz muito necessária, já diziam antigos rosa cruzes: “Pelo fogo a natureza se transforma, Pelo fogo as coisas naturais são encontradas, Pelo fogo a natureza se regenera”. Por fim não é nossa intenção providenciar grandes chaves além daquelas espalhadas veladamente por esse texto que fala de véus, só sabe o gosto do pudim aquele que prova da iguaria, logo há que se percorrer o caminho com paciência, lá pelo início, sem atalhos, esse fogo todo aquele que percorreu o caminho de Nun, já se incendiou com o calor, agora restou iluminar se a luz do fogo , sem ânsia de resultado, como aquela determinação de quem clama por Nuit no deserto, na chama da serpente, no Sol e também na chuva de beijos estelares sobre nossos corpos, flamejando em Luz e Vida, para em nossas órbitas estelares possamos romper os véus e encontrar a Liberdade para viver o Amor.

Sim viver no Amor.

Força e fogo são de nós.

1- Algo que não faz o esperado, é executado ao revés mas sem intenção definida.






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