Magia
versus Magick: Escape da Realidade ou
Experienciação?
Desmistificando o
Trabalho de Percepção ao Probacionista
Magia é a arte de transformar a realidade. Está
contida nas mais variadas crenças, senão em todas, como forma de conexão com
uma “Força Superior”, divina, sobrenatural, seja qual for, com o propósito de
mudar o fluxo natural da vida mediante a manipulação de energias disponíveis na
natureza. Em sua diversidade, envolve diferentes ritualísticas, orações,
consagrações, benzimentos, conjuros, encantamentos, danças, cantos, mantras,
etc., podendo também utilizar de elementos simbólicos, como armas mágickas, vestimentas,
oráculos, sigilos, imagens de deuses e deusas de diversos panteões,
instrumentos musicais, além de elementos de origem mineral, vegetal, e animal,
dentre outras mil possibilidades.
Independente dos recursos, ferramentas e meios utilizados
para realizar a Magia, há um fator determinante que é a intenção da pessoa
(operante), direcionada através da força do pensamento que cria formas no
(baixo) plano astral que conforme se é alimentado energeticamente se projeta no
plano físico. Isto é, se pararmos para pensar, a grosso modo, a magia faz parte do dia a dia do ser humano sem que
ele perceba, mesmo que haja ceticismo.
Sem querer me aprofundar, desde os primórdios a Magia já
era integrada às crenças dos povos primitivos que habitavam diversas regiões do
planeta, cada qual com suas peculiaridades sociais e territoriais, como uma
forma genuína de se conectar com o desconhecido e os fenômenos da natureza. Com
o passar do tempo, a magia foi adquirindo um papel religioso e medicinal
desempenhado por pessoas designadas a cargos
de sacerdócio dentro de uma comunidade. Com o advento do cristianismo, as
crenças pagãs foram se tornando cada vez mais escassas devido a Inquisição,
sendo vistas nas eras, medieval e moderna, pelos intelectuais, como uma prática
arcaica atribuída às classes marginalizadas.
O “estudo do oculto” ou Ocultismo surgiu na antiguidade,
originalmente referido como ciência e destinado a um grupo seleto de pessoas que visavam obter o conhecimento
de uma realidade extrafísica ou espiritual mais aprofundada, que fosse além
daquela compreensível pela razão. Originou-se da antiga doutrina Hermetista
Egípcia, e resistindo ao período da
Inquisição, retornou com força no século XIX à cultura ocidental. Hoje o Ocultismo abrange a Magia, a Alquimia e
a Cabala, além de possuir relações estreitas com o Misticismo, o Esoterismo e,
sofrer influências de religiões e filosofias orientais, como Yoga, Hinduísmo,
Budismo e Taoísmo. Mesmo permanecendo vivo, ainda é restrito a poucos.
Há quem atribua classificações à Magia, como Branca ou
Negra; Caminho da Mão Esquerda, do Meio ou da Mão Direita; Baixa ou Alta Magia,
portanto, analisando de forma bem racional, se a Magia é inerente ao ser humano
e está diretamente ligada à intenção do
operante, estando ele consciente ou não de tal condição, as classificações se
tornam “balela” quando tomemos do ponto de vista de que os contextos “bem e
mal”, “positivo e negativo”, “luz e sombra”, são relativos e não se dissociam,
ou seja, o que é bom para um, não necessariamente é para o outro e, com isso,
as métricas se tornam bem individuais. Tudo é estado de consciência, então se
for para classificar, prefiro as referências: Magia em prol do Ego (mundano) e
Magia em prol do Eu (espiritual). Veremos mais à diante.
O que me refiro à Magia em prol do Ego, é aquela comumente
praticada, cuja intenção visa fins materiais, seja para conquistar um objetivo,
seja para alcançar sucesso nas diversas áreas da vida mundana, ou como forma de
manutenção do que já se possui. A visão sobre a Magia como um todo, desde
tempos remotos, carrega esse estigma de promover mudanças materiais e até mesmo
fenômenos sobrenaturais na vida do praticante ou do favorecido, fato que a
estereotipa, repudiando os preconceituosos e/ou atraindo praticantes, estudantes
e beneficiados. No entanto, Magia não é tudo o que “vendem por aí" e
apesar de sua natureza genuína, simples, paradoxalmente, possui conceitos bem
complexos que vão muito além das suposições e contos de fadas.
O ser humano, por mais cético que possa ser, sempre buscou
entender a origem da vida. Cada um seguindo as diretrizes culturais e
religiosas do meio social no qual vive, porém, tais questionamentos, sempre
foram desviados ou omitidos por dogmas, geralmente de origem judaico-cristã. Só
que para alguns, quanto mais dogmas mais
perguntas são formuladas e, encontrar respostas vazias ou insatisfatórias
apenas os estimulam a não parar de investigar. Essa é uma das características
de quem se atrai pelos caminhos do Esoterismo, da Magia e do Ocultismo.
Quando nos aproximamos da Magia e do Ocultismo, ficamos
encantados com as inúmeras possibilidades que se apresentam como formas de
olhar o mundo. A linguagem diferente da literatura “usual” nos incentiva a
pesquisar para obter um melhor entendimento do assunto, e aos poucos, a
curiosidade inicial acaba se tornando um foco, e o desejo por conhecimento
aumenta em concomitância com a mente que começa a viajar pelos novos conceitos
que vão emergindo. Surgem daí armadilhas, que num primeiro momento, todos
caímos, uns mais do que outros: passamos a acreditar que somos poderosos, que
podemos utilizar do conhecimento mágico para manipular tudo e todos; passamos a
nos impressionar com qualquer coisa achando que são sinais do “além”;
executamos as mais insanas práticas mágicas sem o devido preparo ou
conhecimento; nos tornamos, às vezes sem
perceber, “papagaios de pirata” repetindo conteúdos de livros para impressionar
ou convencer quem quer que seja; enfim, nos deixamos levar pelo deslumbre, pela
imaginação fértil e por vezes, pelo fanatismo. E não é muito diferente do que
acontece com os marinheiros de primeira viagem ao se depararem com Thelema.
Por esse motivo, ao observar algumas dessas tendências
ainda bem expressivas em muitos dos probacionistas da Santa Ordem, optei por
escrever este ensaio com o objetivo de desmistificar a Magia, ou melhor
dizendo, Magick, no contexto do treinamento magikco proposto pela A.’.A.’.,
enfatizando o que denominamos de trabalho de percepção.
“Todo ato intencional é uma ato de Magick.”
“Todo ser humano deve praticar Magick cada vez que age ou pensa, visto
que o pensamento é um ato interno cuja influência finalmente afeta a ação,
embora isto talvez não ocorra no momento.
Ilustração: O mínimo gesto causa uma mudança no corpo de um ser humano
e no ar em volta dele; perturba o equilíbrio do universo inteiro, e seus
efeitos continuam eternamente através de todo o espaço. Todo pensamento, não
importa quão depressa suprimido, tem seu efeito na mente. Permanece como uma
das causas de todo pensamento subsequente, e tende a influenciar todo ato
subsequente. (...)” (CROWLEY, Aleister. Liber ABA, Parte III, Magick em
Teoria e Prática. Introdução.)
O foco do trabalho magicko da Santa Ordem é obter o
Conhecimento e Conversação do Sagrado Anjo Guardião. É em prol do Eu, da
evolução enquanto espíritos vivendo na carne, considerando que o corpo é
veículo do Ego, que se alimenta e se fortifica com os desejos e necessidades
mundanas, perecíveis na linha do tempo. Como seres humanos, somos movidos
intrinsecamente pelo desejo, e ao trilhar o caminho iniciático, o importante é
estar cônscio de que ele é útil como “objeto” e não como objetivo: tarefa bem
difícil de se executar, por sermos seres duais e extremamente complexos, onde o
Ego é um excelente sabotador e “contador de histórias”.
Um ser humano cujo desejo consciente disputa com sua Verdadeira Vontade
está desperdiçando suas forças. Ele não pode esperar influenciar seu ambiente
com eficiência. (CROWLEY, Aleister. Liber ABA, Parte III, Magick em Teoria
e Prática. Introdução.)
Contudo, posso dizer que, perante as experiências e
conhecimentos que adquiri em minha jornada como Magista, se tornou muito claro
que Magick é, principalmente, aquela executada através do trabalho interno,
como meio de religare para com a
Consciência Universal; em outras palavras, sob a ótica do Sistema da A.’.A.’.,
realizar Magick é desenvolver a consciência a partir do treinamento magicko,
aprimorando as percepções quando da vivência e superação dos ordálios,
objetivando com isso, estreitar cada vez mais os laços com o Eu, a fim da
consecução do SAG.
E não
diferente do que foi definido e teorizado por Crowley em Magick em Teoria e
Prática, “Magick é a Ciência e a Arte de causar Mudanças de acordo com a Vontade”.
Veja que o processo do Aspirante à A.’.A.’., que visa obter o Conhecimento e
Conversação do SAG, como foi dito, está associada à manifestação da Verdadeira
Vontade.
“Deixem-me explicar em poucas palavras como foi que eu concebi a
palavra
MAGICK no estandarte que tenho carregado diante de mim durante toda minha
vida.(…)
Eu experimentei dificuldade em achar um nome que definisse minha Obra,
bem como ocorrera com H.P. Blavatsky alguns anos antes. ‘Teosofia’,
‘Espiritualismo’, ‘Ocultismo’, ‘Misticismo’ – todas estas designações sugeriam
conotações indesejáveis.
Eu escolhi, portanto, o nome “MAGICK” como em essência ao mais sublime,
e na atualidade do mais desacreditado de todos os termos ao meu dispor.” (CROWLEY,
Aleister. Liber ABA, Parte III, Magick em Teoria e Prática. Introdução.)
Magick, como uma ocorrência interna, provoca mudanças de
paradigmas, deste modo, à medida que alcançamos novos estados de consciência,
nossa visão de mundo também se transforma, visto que a realidade é resultado
das projeções da nossa consciência. Em resumo, o que acontece internamente se
perpetua no externo.
Ainda na condição de Estudante dos Mistérios, é mais do que
comum que o candidato à Santa Ordem crie uma série de expectativas quanto ao
Probacionato, e algum tempo após assinar o juramento, muitas delas, ou se
intensificam levando ao deslumbramento e à perda de foco, ou se transformam em
desapontamentos e inércia, não obstante, em todos os casos, à longo prazo, o
resultado é o mesmo: frustrações.
“O ser humano ignora a natureza de seu próprio ser e seus poderes. Até
mesmo sua ideia e limitações estão baseadas em suas experiências do passado, e
cada passo no seu progresso aumenta seu império. E não há, portanto, razão para
se designar limites teóricos ao que se possa ser, ou mesmo o que ele possa
fazer.” (CROWLEY, Aleister. Liber ABA, Parte III, Magick em Teoria e
Prática. Introdução.)
Observo nos probacionistas fatores que se conjugam criando
características bem marcantes que são recorrentes, por exemplo: intelecto com
deslumbre resulta em “viagens na maionese” e alto nível de dispersão; intelecto
com ceticismo resulta em falta de credibilidade na função do treinamento, e
novamente, alto nível de dispersão. E quando menciono “dispersão”, o principal
ordálio do probacionista, me refiro à evasão das práticas, quer por gastar um
tempo extraordinário em busca de conhecimentos que nada acrescentam no trabalho
do grau; quer por preguiça, esquecimento, ou por priorizar qualquer outra
atividade.
Em meio às frustrações, vejo que surgem questionamentos
como: Onde estou errando? O que seria não intelectualizar? Por que devo realizar os rituais, sendo que não estão me
levando a lugar algum? Nada acontece, não sinto e nem vejo nada!
Sendo bem direta, as práticas não irão te levar a nenhum
resultado concreto, palpável, pois o objetivo não é resultar em fenômenos
extrassensoriais de qualquer natureza, e sim tirar, momentaneamente, a sua
atenção do mundano, do externo, a fim de te fixar no presente para que possa
estabelecer uma reconexão consigo mesmo, e principalmente, trabalhar a sua
percepção. E por que trabalhar a percepção? Para você ir adquirindo expertise em se autoperceber, em perceber as coisas, por
mais sutis que sejam, que estão ou aconteçam em você e ao seu redor, que
estejam influenciando e sofrendo influências; perceber circunstâncias que fazem
parte da sua vida e você nem se dá conta. E acima de tudo, porque não há
mudança de paradigma, muito menos iniciação, sem percepção.
“Magick é a Ciência de entender a si mesmo e suas condições. É a arte
de aplicar este entendimento à ação.”
“Todo
homem e toda mulher tem um curso, dependendo parcialmente do indivíduo e
parcialmente do ambiente, que é natural e necessário para cada um. Qualquer um
que seja forçado a sair de seu próprio caminho, por não entender a si mesmo ou
por oposição externa, entra em conflito com a ordem do Universo, e sofre de
acordo.” (CROWLEY, Aleister.
Liber ABA, Parte III, Magick em Teoria e Prática. Introdução.)
Noto que há uma considerável confusão em relação ao
trabalho de percepção durante as práticas. O ato de Perceber está
diretamente ligado ao ato de Sentir, porém, o verbo
“sentir” tange um limite tênue entre sentimentos e sensações, e para
compreender o que seria o trabalho de percepção é imprescindível esclarecer as
diferenças entre esses dois eventos.
Os sentimentos estão diretamente ligados às emoções, à
capacidade de ser facilmente comovido ou impressionado por algo ou alguém,
relaciona-se aos afetos e desafetos e aos
instintos morais do indivíduo. Enquanto, as sensações se relacionam com os
cinco sentidos do corpo humano, que quando estimulados e transmitidos ao
cérebro (consciência) são interpretados e transformados em ideias e percepções.
Com isso, as sensações e as percepções estabelecem um processo contínuo dentro
de uma prática magicka ou ritualística.
Entretanto, o maior desafio é “perceber sem classificar”, o
que significa que precisamos nos isentar de fazer qualquer julgamento sobre
nossas percepções, porque a intenção é não intelectualizar ou conceituar. O
trabalho de percepção é descritivo, como se o operante da prática ou
ritualística, estivesse a narrando do ponto de vista do executor e do espectador, simultaneamente. E por que isso?
Porque o intelecto, como um excelente subterfúgio do Ego,
prega peças. De tanto ler, pesquisar e especular, se torna fácil projetar as informações na leitura das percepções durante a execução das práticas, levando à impressão de que realmente houve tal
experiência, sendo que no fundo a mesma foi criada pelo Ego e não vivenciada,
nem experimentada em nível de consciência. Entretanto, num bom português, o que
de fato acontece nessas ocasiões são as famosas “viagens na maionese".
Pode parecer complicado, mas nada que um bom treino e um choque de realidade
não resolvam.
“O ser humano é capaz de ser e usar qualquer coisa que percebe; porque
tudo que ele percebe é, de certo modo, uma parte de seu ser. Ele pode, desta
forma, subjugar todo o Universo do qual ele é ciente a sua Vontade Individual.”
(CROWLEY, Aleister. Liber ABA, Parte III, Magick em Teoria e Prática.
Introdução.)
“Nada acontece, não sinto e nem vejo nada!” Voltando à
indagação geralmente feita pelo cético, típico da frustração após altas expectativas, retorno com a seguinte pergunta, agora
para todos: O que você gostaria que acontecesse? O que desejaria sentir e
ver?
De acordo com as definições do que seria um trabalho de
percepção, vamos trocar em miúdos: entenda que você não verá nada no astral se
materializado aos seus olhos, tudo acontece à nível de imaginação. Sendo bem
específica, por exemplo, ao desenhar um pentagrama de terra durante o Ritual
Menor do Pentagrama, você irá apenas imaginar passo a passo do traçado, e por fim,
irá visualizá-los (imaginá-los) em sua mente, como num pensamento normal. Não
surgirão visualizações reais, a não ser que você seja formado em Hogwarts.
Brincadeiras à parte, toda informação que chega a você, independente do que
seja, é uma projeção sua, do seu subconsciente: nada é externo! (Recorda do que
foi dito acima sobre Magia e Magick?)
Nunca temos um dia igual ao outro em relação às práticas, e
por mais que certas imagens vão se repetindo, nem sempre elas aparecem nítidas
na nossa imaginação, e tem vezes que não conseguimos visualizar nada, nem mesmo
sentir (sensação) qualquer coisa, e está tudo bem. No contexto do trabalho de
percepção, o ato de achar que não está vendo e nem sentindo nada, já te faz
perceber alguma coisa, não é verdade? Ideias e insights irão surgir, mas não
será de um dia para outro, por isso a importância de manter a frequência nas
práticas.
Saiba que todas as simbologias, palavras, armas magickas,
sensações no corpo, imagens que surjam no seu pensamento, irão em algum momento
te levar a ter uma releitura do próprio ritual que esteja executando, de você
mesmo, e aos poucos se estenderá às pessoas e fatos ao seu redor. Podemos
comparar esse processo ao que uma pessoa vivencia ao fazer terapia. Na terapia
começamos a mudar o ponto de vista das coisas e sobre nossas atitudes, ao nos
ouvir, ao assimilar a reação e os
questionamentos do terapeuta. Nas práticas magickas acontece de maneira equivalente, contudo é através dos símbolos que você irá te escutar,
conversar consigo mesmo, e ativar seu consciente e o seu inconsciente.
Magick como produto de um trabalho interno por meio da
percepção está diretamente ligado ao estado de gnose, que nasce de um processo
íntimo, pessoal, que acontece de forma sutil e paulatinamente. Lembra que quando
você aprendeu a ler e a escrever, você tinha que exercitar no caderno de
caligrafia? Lembra dos ditados, que palavras
iam se transformando em frases? Hoje em dia, você lê e escreve perfeitamente,
mas precisou praticar muito para isso, passar por diversas fases até que as
metas fossem alcançadas. Usando novamente de analogia, o estado de gnose
estaria no ato de conseguir juntar as letras, formar uma palavra e conseguir
associá-la a um objeto, um nome, um lugar etc.
Posteriormente, o estado de gnose atingiria outros níveis conscienciais, na
medida que você fosse conseguindo juntar as palavras formando uma frase e, pudesse se comunicar e compreender as informações que chegassem a
você pela escrita.
A A.’.A.’. não é uma Ordem de Treinamento atoa. Só a partir
do aprimoramento das práticas, utilizando como ferramenta primordial o trabalho
de percepção, que se é capaz de alcançar estados de gnose e, com isso, mudanças
de paradigma. O estado de gnose não se origina
no intelecto, mas sim à nível espiritual através
do transe, do estado alterado de consciência ou por meio da cognição, cuja
compreensão adquirida acontece mediante intuições e insights. Muitas vezes,
esse conhecimento não consegue ser codificado em
palavras, porém, atua de modo que nos faça desenvolver novos estados de
consciência.
Uma das coisas mais negligenciadas nas práticas e
ritualísticas, é o corpo físico. Ele acaba ficando em segundo plano ou mesmo
sendo esquecido por causa da supervalorização do intelecto. Não dizem que o
corpo fala? Então, quando se traz “a prática para o corpo”, ele lhe passa
informações por entre as sensações, que ademais ao fato de se autoperceber,
você estará também direcionando sua atenção para o momento presente, assim como
procede com os Asanas na Yoga. Atente-se que o intelecto quando ferramenta
superestimada numa prática leva a devaneios ao criar cenários ilusórios,
romantizados.
Os rituais presentes no Liber Resh vel Helios e no Liber O
vel Manus et Sagitae, alguns obrigatoriamente executados no Probacionato, abordam
práticas que são essenciais ao trabalho de percepção, como “assunção
forma-deus” e “vibração do nome divino”. Perceber a influência desses
exercícios no corpo, além de ser um estímulo para que ocorram alterações no
estado de consciência, se torna um excelente preparo para se obter um melhor
aproveitamento em rituais elaborados com uma quantidade maior de elementos
simbólicos. Pode também te dar embasamento para criar seus próprios rituais no
futuro.
Chego ao final deste ensaio satisfeita em poder dissertar
sobre um tema tão básico que ainda assim é pouco discutido pelos praticantes de
Magia, ou melhor, Magick. Como podemos ver, a Magia é inerente ao ser humano
quando da sua propriedade mais relevante: a intenção. Podendo ser utilizada
como uma ferramenta poderosa pelos peritos em Magia e Ocultismo, compor
silenciosamente numerosas crenças, filosofias, religiões, até vir a fazer parte
do dia a dia do ser mais cético do mundo: a diferença está integralmente no
conhecimento, no uso e na credibilidade de seus efeitos. Como já mencionei,
tudo é estado de consciência, você é o reflexo de seus pensamentos e de suas
ações.
Vimos ainda, que o estudo dos fenômenos da natureza e da
manipulação de seus elementos progrediu através dos tempos para além do primitivismo
pagão, se lapidando nas mãos dos intelectuais estudiosos do oculto, mais
especificamente da percussora Ciências Herméticas. Seguidamente, o que chamamos
de Ocultismo Moderno, surgiu incorporando à Magia, ciências como a Alquimia e a
Cabala, e sofrendo influências do Misticismo, do Esoterismo, de religiões e
filosofias orientais. Thelema bebeu destas mesmas fontes, tendo seu profeta, a
partir de experienciar erros e acertos, concebido uma nova denominação para o
trabalho idealizado para seu Sistema Iniciático: Magia se tornou Magick.
Magia é a arte de transformar a realidade, e “Magick é a Ciência e a Arte de causar
Mudanças de acordo com a Vontade”. Teoricamente não seria a mesma coisa?
Pois digo que em práxis, não! Magia, como algo adimensional, que abrange
inúmeras alternativas de uso conforme a
intenção do operante, acabou se tornando um termo ordinário para Crowley, ao
perceber:
“Meu trabalho
anterior foi mal compreendido, (...). Atraiu muitos entusiastas e excêntricos,
débeis buscando na ‘Magia’ um escape da realidade. Eu mesmo fui atraído dessa
forma. E tem repelido muitas mentes práticas e científicas, as que Eu mais
desejara influenciar.” (CROWLEY, Aleister.
Liber ABA, Parte III, Magick em Teoria e Prática. Introdução.)
A Magia estava para o escape da realidade, assim como
Magick estaria para a experienciação. A primeira em prol do Ego, a segunda em
prol do Eu, um treinamento que possibilitaria, por intermédio da vivência e do
trabalho de percepção, alcançar novos estados de consciência, isto é,
iniciação.
“MAGICK consiste simplesmente em ser e fazer. Eu deveria adicionar
‘sofrer’. Pois Magick é verbo; e é parte do treino usar voz passiva. Isto,
entretanto, é mais uma matéria de iniciação que de Magick no senso ordinário da
palavra. Não é minha culpa se ‘ser’ é desnorteante, e ‘fazer’ é desesperador!”
(CROWLEY, Aleister. Liber ABA, Parte III, Magick em Teoria e Prática.
Introdução.)
Por fim, Probacionista, nunca se esqueça que você está sob
o domínio das Qliphot, com isso, a ideia de desorganização, de estar nadando
contra a maré, decorrentes das frustrações, parece mais intensa do que
realmente é. Entendendo esse processo, se atente a não se cobrar tanto, muito
menos sinta culpa por não estar dando conta do que se comprometeu a fazer, dado
que esses sentimentos acabam por alimentar ainda mais a dispersão. Se parar
para pensar, o tempo dedicado para se auto justificar e se autocobrar, poderia
ser utilizado para alguma leitura ou prática, ou mesmo para desenvolver o
equilíbrio, a persistência e o senso de ação.
Saiba que estamos todos no mesmo barco, apenas em trabalhos
diferentes, e cada um de nós sabe onde é mais doído, quais são as nossas
deficiências. O trabalho da A.’.A.’. é para a vida toda, e alcançar a maestria
é pura ilusão. Por mais conscientes que nos tornemos devido às diversas iniciações que passamos durante a
jornada, sempre seremos humanos, errantes, cheios de problemas de qualquer
gênero, e continuamente em busca de nos melhorarmos. Mas tudo acontece aos
poucos, cada um no seu ritmo. Não há regras.
Quanto mais perfeição quiser alcançar nas práticas, mais
ansiedade vai gerar e expectativas de obter um resultado irão
surgir. Perfeição não existe e nunca existirá. Por isso, mantenha sempre
como seu mantra diário:
“Pois vontade pura, desembaraçada de propósito, livre da ânsia de resultado, é toda
via perfeita." (AL I:44)
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