A mariposa

 


Quem nunca em algum momento da jornada espiritual se sentiu perdido e com uma sensação de solidão profunda? 

Nessas horas, gosto de me recorrer às cartas, onde encontro consolo e acolhimento. O Tarot sempre foi um instrumento sagrado para mim, que mantenho um profundo respeito. As cartas nunca erram, e sim nos autos sabotamos por não querermos nos deparar com os fatos que não sabemos lidar. A verdade dói, mas tenha certeza que a ilusão é uma tortura chinesa a longo prazo. Pois isso, considero o Tarot um excelente amigo, daquele que não passa a mão na cabeça, mas está pronto a qualquer hora para dar o melhor conselho.

Pedi à Senhora das Estrelas que me mostrasse um panorama de como andava meu processo espiritual conforme o trabalho que venho executando, ou melhor, vivenciando na Santa Ordem, e algo muito inusitado aconteceu no exato momento que desvirei a carta: uma mariposa entrou pela janela e foi direto em direção à lâmpada do quarto que estava acesa. Em questões de segundos me percebi olhando simultaneamente para a carta e a mariposa que voava de forma afobada, quiçá desesperadora ao redor da fonte de luz que a atraía. 

Para quem não sabe, a mariposa é um animal noturno parente bem próximo da borboleta que ao contrário possui natureza diurna. É comum vermos mariposas voando em volta de fontes de luzes artificiais, e uma hipótese para isso, é o fato delas usarem uma técnica de navegação conhecida como orientação transversal, onde ao manter uma relação angular constante com uma fonte de luz, como a Lua, por exemplo, elas consigam permanecer voando em linha reta. Tanto a mariposa quanto a borboleta sofrem o processo de metamorfose até se desprenderem do casulo. A primeira adquire uma aparência soturna como a noite enquanto a segunda encanta a todos com as cores radiantes de suas asas. Uma se guia pela luz da Lua e outra pela luz do Sol.

Inevitavelmente, os diversos símbolos da carta se uniram aos do inseto que me sobrevoava, e como um soco no estômago me reconheci na bendita mariposa. Assim como ela, percebi que também estava me guiando e seguindo em direção à luz “errada”: uma luz artificial que tem um brilho forte capaz de iluminar um ambiente inteiro, porém com vida limitada prestes a “queimar” sem aviso prévio.

Vocês devem estar curiosos em saber qual foi a carta que tirei, e adivinhem? O Atu XVIII, A Lua. A carta da escuridão da alma que se guia pela brilho da Lua, que reflete a luz do Sol com a mesma beleza, que fascina, embriaga, mas ilude. Sua natureza instável ressalta esta condição que deixa os peregrinos no caminho em constante alerta, pois a restrição da visão os impede de enxergar com acuidade as adversidades que podem surgir ao longo do percurso. Assim como o Sol, a Lua também produz sombras cujas projeções são tão ilusórias quanto a luz própria que finge ter. Mas quem não se deixa enganar pelos seus encantos? Tais quais, que remexem emoções profundas, incitando paixões, mas também o medo e a insegurança; aguçam os instintos e refinam a intuição, uma bússola, ótima ferramenta para sobreviver ao breu dos primeiros dias de lua nova.



A noite é o berço da Lua, e também o período em que os animais de hábitos noturnos realizam a maioria de suas atividades. Por exemplo, as corujas, os lobos, as raposas, grande parte dos felinos, todos possuem características comuns, inerentes à sua adaptabilidade. São influenciados pela Lua e possuem um radar natural ou senso de direção incrível; são observadores, pacientes, astutos, imprevisíveis, excelentes estrategistas, e por isso estão sempre em alerta, mantendo a concentração e o foco em seus objetivos. Isto é, para além dos aspectos sombrios do arcano, há uma essência formulada pelo instinto e a intuição, que deve ser resgatada e reestruturada pelo peregrino para ser usada à seu favor ao lidar com as próprias sombras. 

Se pararmos para refletir, a carta da Lua é o casulo da mariposa, onde na escuridão e solitários vivemos a maior parte do nosso processo de transformação, intimamente ligado à nossa maturação junto à própria sombra. Por outro lado, mesmo com (mais) um ciclo concluído, pronta para voar, a mariposa permanece com sua natureza soturna, na busca incessante de um ponto luminoso para se orientar em sua jornada. Analogamente, o Aspirante procede da mesma forma, rumo a sua Luz Interna.

Ainda sob a ótica do Atu XVIII, o comportamento deslumbrado da mariposa quando em sua busca pela luz, faz com que ela se perca em sua insaciedade, e seja atraída por luzes artificiais, contudo, se iludindo e se queimando com elas. Neste caso, as luzes artificiais simbolizam as falsas paixões, os desejos e armadilhadas criadas pelo ego para nos atrapalhar e por vezes, nos desviar do itinerário para a verdadeira Luz, ou seja, o encontro com aquilo que permanece, a nossa essência, o nosso Eu.

Curioso pensar que o trabalho de purificação do ego na Santa Ordem, parte do mesmo princípio da metamorfose, que é um processo de transformação proporcionado pelo ciclo de vida, morte e renascimento, que dentro do contexto iniciático refere-se à sucessivas mudanças de paradigmas que vão sendo adquiridas durante a jornada espiritual. 

Vivo dizendo que o ego prega peças, e aqui estou eu, ironicamente, entregue às suas ciladas como aquela mariposa que não cansava de rodear a lâmpada, sem rumo, a confundindo com o brilho da Lua. Assim, do mesmo modo, a mensagem estava clara: a luz que estava me guiando nada mais era do que meu próprio Ego travestido de Sol. Que golpe, não?

E a carta da Lua estava ali para confirmar tal percepção (que desilusão!) me alertando sobre a necessidade de controlar os desejos do Ego, moderar minhas ações, utilizar as armas que forjei junto às minhas sombras à meu favor, e principalmente, me relembrar que o exercício de me tornar o Centro do Meu Próprio Universo é contínuo.

Por fim, que de ciclos em ciclos de metamorfose, a “mariposa” ao sair do casulo se torne uma linda borboleta e voe em direção ao Atu XIX, o Sol.






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