O atalho está para o ordálio assim como a preguiça para o ego

 

Estar à prova não é algo fácil e mexe, entre outras coisas, com o famoso ego. Ora, se sou um microcosmo parte do grandioso cosmos, por que bulhufas preciso seguir gatinhando no meu caminho se eu posso expandir pela minha vontade? Não vamos esquecer que com base no próprio universo, até onde sabemos, há um equilíbrio dinâmico e, algo que aconteça nessa “sinfonia” de forma desarmônica, pode transformar o atalho num processo totalmente fora de controle. Essa expansão pode se transformar numa explosão. E eu lá sei onde mergulhar de verdade para entender qual é a minha verdadeira vontade se ainda estou do lado de fora da árvore da vida?

Perder-se no caminho é parte do processo. A questão primordial está basicamente em entender que se você assinou um juramento, você pode até errar, cair e levantar, porém, enquanto não conseguir entender o seu propósito no caminho – a natureza dos poderes do seu ser –, não faz o menor sentido dar vazão a este ego incontrolável que irá te colocar em apuros cedo ou tarde. Pior ainda é nunca se dar conta disso.

Existe muita leitura e prática. Existe a necessidade real de repetir e repetir essas leituras e práticas, pois é dessa repetição que conseguimos captar as nuances que antes não eram possíveis. Você ouve uma música uma vez e gosta dela. Você ouve pela terceira vez e consegue distinguir outros tons de notas. Você ouve pela vigésima e ela já se torna parte de você. Percebe isso no céu também: não existe um céu igual ao outro em cada dia. Cada vez que você olhar para o céu, se assim o fizer todos os dias, verá um céu diferente, perceberá nuances de cores diferentes e irá sempre assistir a um espetáculo que independe do horário, mas de sua percepção das coisas.

Reler livros inteiros várias vezes pode ser um dos convites para refinar o êxtase. Entretanto, pular etapas pode ser muito desastroso uma vez que o período de pelo menos um ano de probação te joga num torvelinho de acontecimentos que, dada a devida atenção, te transforma, o que é de fato o cerne da questão.

Quando eu busco atalhos, me perco: sou cega me guiando na escuridão. Volto ao juramento e vejo, entre outras coisas, “Que a A∴A∴ coroe a obra, me conceda de Sua sabedoria na obra, me permita compreender a obra!” (Juramento do Probacionista à Santa Ordem da A.’.A.’.). Aqui me percebo parte do todo mas ainda um bebê que nem sabe engatinhar, que ainda precisa de muito polimento para seguir adiante. Até aqui todas as minhas iniciações em outras sendas foram guiadas e agora sei que farei minha iniciação, se e somente se, estiver preparada por minhas próprias ações e atitudes para comigo mesma e para com todo o Juramento que assinei: sozinha. Já se foi um ano e, quando da completude deste um ano, eu questionei ao meu instrutor mais uma (de centenas de vezes) sobre algumas questões e acrescentei: não estou preparada, não cumpri boa parte do meu juramento...

Depois desse um ano, muitas coisas mudaram em minha vida e eu devo isso ao caminho. “Thelema é para todos” sim, porém, cada qual possui o seu caminho. Hoje não conto mais o tempo, as escassas entradas no diário, os erros cometidos, os milhares de tropeços... Estou contando o que todo o processo, por mais difícil que seja, tem me trazido. É para ser difícil mesmo. Ordálio não foi o acidente que sofri no meio do probatório que me impossibilitou de escrever no diário e fazer meus rituais momentaneamente, nem as sequelas desse acidente. Ordálio foi precisar equilibrar minha mente que fervilha, meus medos e angústias, minhas inseguranças, meu ódio diante dos meus erros. Ordálio foi o adaptar dos rituais e pensar que não funcionariam porque me faltava um braço, equilibrar meu emocional diante disso. Estes detalhes que conto são só uma ínfima parte de todas as descobertas que pude fazer lidando com a realidade de uma forma completamente diferente, percebendo que Ordálio é parte da prova. Não é o “bater com o dedinho na quina”, mas tudo aquilo que sua mente vai fazer emergir quando isso acontecer e o que você irá fazer com todas essas sensações. "Lembrem-vos todos de que a existência é puro prazer; que todas as dores são só como sombras; elas passam & acabam; mas ali está o que permanece." (AL II, 9). Valeria a pena desistir? Atalhar? Teimar?

Se eu desistisse, estaria desistindo de mim e não da A.’.A.’... Se eu atalhasse, seria uma preguiçosa, deixando uma bela folga de ausência de atitude para o meu ego. E essa folga não me permitiria caminhar lado a lado com o ego de que tanto preciso, senão nunca sairia da inércia. E teimar, bom, seria agir feito um ser pirracento que não tem a real consciência de que para conseguir o que quer precisa, primeiro, cumprir aquilo ao que se comprometeu.

Eu ficava me perguntando o que leva alguém a não se assumir probacionista da Santa Ordem e fazer-se parecer Neófito. Hoje eu tenho a resposta, pois busco vivenciar em profundidade a beleza e a loucura deste momento. Me permito errar e me permito, ao menos, tentar consertar. Observo que quem busca pular etapas nunca se esforçou para entender o que de melhor o caminho do encontro consigo mesmo pode proporcionar. Ser probacionista neste momento se torna um título nobre, uma vez que mesmo vagando fora da árvore da vida estamos no meio desse “praeter caos” conseguindo persistir, insistir e cumprir nossa tarefa árdua, por vezes, no desequilíbrio da busca do equilíbrio.

Se permitir sentir o caminho é a essência do encontro sublime que este caminho proporciona. É nesse processo de sentir que ocorrem as mudanças fundamentais. Não é algo que se explique, que tenha sabor, cor, textura. É algo que se sente: “O Universo é Mudança: toda Mudança é o efeito de um Ato de Amor: todos os Atos de Amor contém Pura Alegria. Morra diariamente! Morte é o ápice de uma curva da serpente da Vida: contemple todos os opostos como complementos necessários, e regozije!” (O Coração do Mestre, As Duas e Vinte Instruções Secretas do Mestre, III).

 Soror VBTyr 3111

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