A TAL DA SIMPLICIDADE...
A tal da simplicidade...
Quando li pela primeira vez sobre o Taoísmo, fiquei encantada, mas ao mesmo tempo confusa. Meu primeiro contato com ele foi através do livro “Wu Wei- A arte de viver o Tao”, que um amigo na ocasião me recomendou.
Na época, há uns quatro anos ou mais, eu estava iniciando
meu contato com diversos assuntos, e minha compreensão de muitos deles era
muito básica e superficial. Além de tudo eu sempre fui muito racional, tentando
entender as coisas por meio de explicações e teorias, e com o Taoismo não foi
diferente. Grande erro meu...
Ao ler diversas coisas nesse livro, muitas delas eu achava
que compreendia, e quando me deparava com frases como “pensar sem pensar”,
“agir através da não ação” eu simplesmente “travava”.
“Como assim?” – pensava eu... “Como posso pensar em algo sem
pensar nele?”
Eu não compreendia o que aquilo queria dizer, e passava
algum tempo presa em pensamentos circulares tentando explicar para mim mesma o
que seria aquilo.
Foi aí que comentando com esse meu amigo ele me deu um
exemplo, simples e até engraçado...
“Imagine que você está fazendo algo, e você vê macacos
dançando... Você olha com surpresa e diz: ‘- Olha, macacos dançando.’ Sorri. E
volta a fazer o que estava fazendo, sem que aquela visão te distraia ou te
perturbe.”
Foi aí que percebi que nossa mente pega um fio e se prende e
se perde no emaranhado. Ao ver macacos dançando, certamente o pensamento seria:
“Olha! Macacos dançando... eu gosto de dançar, já fiz aula de dança. Me lembro
uma vez que fui em uma apresentação e estava chovendo. Estava um pouco frio.
Ontem fez frio aqui, aproveitei para tomar um chocolate quente. Ficou muito
gostoso, pena que eu não tinha um bolo pra acompanhar. Mas eu estou de dieta,
nem estou conseguindo ir para a academia. Acho que seria legal ir caminhar na praia
quando fizer um sol...”
De repente, já nem sabemos mais onde estamos em nosso
pensamento. Como fomos parar lá.
A mente simplesmente vai puxando um fio atrás do outro.
Então a não ação, não é simplesmente ficar inerte, mas é não se deixar levar,
não ser arrastado pela corrente de sentimentos, pensamentos, emoções, sejam
coisas boas ou ruins.
Lendo sobre os estoicos, pude perceber uma relação. Agir
dentro do que nos cabe, e aquilo que não nos cabe... não nos cabe agir e fim.
Não tem o que ser feito? Qual o motivo do estresse então?
Para mim, foi e ainda é as vezes um tanto complicado
encontrar o equilíbrio desse não agir. Novamente digo, não é uma inércia ou
indiferença. Mas é não se deixar perturbar. Não ser enredado nessa teia de
fluxo de ação contínua que nos rodeia.
Recentemente adquiri um livro “O Tao do Pooh”. Sim, aquele
Pooh, o ursinho. O livro traz, em uma linguagem simples conceitos sobre o
Taoísmo. A linguagem simples, esse é o segredo.
O Tao é a simplicidade da vida. É o que É. Sem “explicações
racionais”. É o fluxo que nos cerca. É cada coisa em seu lugar.
Logo no início do livro ele menciona a pintura “Os
provadores de vinagre” que contém uma alegoria sobre três formas de se ver a
vida. Nela três homens estão reunidos em volta de uma talha de vinagre, onde
mergulham os dedos e provam de seu conteúdo. No entanto, suas reações são bem diferentes.
O primeiro tem uma expressão azeda, o segundo, amarga. E o
terceiro, sorri com uma expressão doce.
A pintura é uma alegoria e as figuras representam os “Três
Ensinamentos” da China e o vinagre simboliza a “Essência da Vida”.
Confúcio
“Na visão de Confúcio, a vida tinha algo de azeda.
Acreditava ele que o presente estava em descompasso com o passado e a lei dos
homens em desarmonia com o Tao do Céu, a lei universal.
Logo, dava grande importância à atitude reverente frente aos
ancestrais ao cerimonial e aos rituais antigos nos quais o imperador, o Filho
do Céu, atuava como mediador entre o infinito do Céu e a limitação da Terra.
Sob o confucionismo, a música da corte era metricamente
precisa, os passos pré-estabelecidos, o comportamento, a linguagem, tudo,
girava em torno de um sistema de preceitos extremamente complexo, onde cada
rito tinha um propósito e um momento exato, pré-determinado.
Confúcio dizia: ‘Se a esteira não está devidamente
estendida, o mestre não senta’. Isso dá uma ideia de até onde estas coisas eram
levadas sob o confucionismo.”
(HOFF, 1995, p. 3)
Buda
“Para Buda, a segunda figura da pintura, a vida na terra era
amarga, cheia de apegos e desejos, fontes de sofrimento. O mundo era visto como
um criador de armadilhas, um gerador de ilusões, uma roda cujo giro produzia
dor para todas as criaturas.
Para encontrar a paz, o Budismo acha necessário transcender
‘este mundo de pó’ e alcançar o Nirvana, literalmente um estado ‘sem vento’.
Apesar da atitude intrinsecamente otimista dos chineses ter alterado bastante o
Budismo após sua chegada da Índia, onde surgiu, mesmo assim seus seguidores
tendiam a ver o caminho para o Nirvana obstruído pelo amargo vento da
existência humana”
(HOFF, 1995, p. 4)
Lao-Tsé
“Ao contrário, para Lao-Tsé, a harmonia era inerente à
relação entre Céu e Terra e podia ser encontrada em qualquer pessoa, qualquer
momento, mas não através dos preceitos confucionistas. Como declarou no Tao Te
King, o Livro do Caminho Perfeito, a Terra era, em essência, o reflexo do Céu, regida
pelas leis celestes, que não são a dos homens. As leis cósmicas afetam desde o
movimento dos pássaros na floresta e dos peixes no mar. Segundo Lao-Tsé quanto
mais o homem interfere no equilíbrio natural produzido e regido pela lei
universal, mais a harmonia se retira, se distancia. Mais intervenção, mais
complicação...
Seja pesado ou leve, molhado ou seco, rápido ou lento, tudo
tem sua própria natureza que não deve ser violada, sob perigo de causar
transtornos. Quando regras arbitrárias e abstratas são impostas de fora para
dentro, o confronto é inevitável. E, então... a vida se torna azeda.
Na visão de Lao-Tsé, o mundo não é criador de armadilhas,
mas um mestre que nos transmite ensinamentos valiosos. Suas lições precisam ser
aprendidas, suas leis naturais respeitadas. Se assim for... tudo irá bem. Ao
invés de aconselhar-nos o distanciamento do “mundo de pó”, Lao-Tsé nos diz para
nos “mesclarmos ao pó”. Á força atuante por detrás do Céu e da Terra, chamou de
Tao, “O caminho”. O principio básico de seu ensinamento era que esta “Via do
Céu”, este mistério, não podia ser descrito por palavras. Tentar fazê-lo era um
insulto ao seu poder ilimitado e à inteligência humana. No entanto, sua
natureza podia ser apreendida, principalmente por aqueles que amavam o Tao e a
vida que lhe é inseparável.
Através dos séculos, os ensinamentos clássicos de Lao-Tsé se
expandiram nas formas filosófica, monástica e popular, sendo correto incluí-los
sob o título geral de taoísmo. No entanto, o aspecto do taoísmo que aqui nos
interessa, diz respeito a um certo modo de perceber, aprender e lidar com tudo
o que ocorre na vida cotidiana. O taoísta percebe esse “estar na vida” como
felicidade. Pode-se dizer que a alegre serenidade é a característica mais
marcante da personalidade taoísta, onde um sutil senso de humor está presente
até mesmo em obras tão profundas como é o Tao Te King.
Por exemplo, os escritos de Chuang-tsé, o segundo maior
filósofo taoísta, são permeados por um riso tranquilo que parece borbulhar como
a água de uma fonte cristalina.
“O que tudo isso tem a ver com o vinagre?” perguntou Pooh.
“Mas – eu não expliquei?” disse-lhe.
“Acho que não”, replicou.
“Bem, então explicou agora.”
“Tá”, respondeu.
Por que Lao-Tsé está sorrindo? O vinagre, que representa a
vida, tem um gosto ruim, como indicam as expressões estampadas nos rostos dos
outros dois. O que acontece é que, através da sua harmonização com a vida, o
Taoísta chega a uma compreensão que muda para o positivo o que os outros veem
como negativo. Do ponto de vista taoísta, o azedo e o amargo nascem de uma
mente não perceptiva e dominadora. A vida em si, quando compreendida e aceita
como é... é doce! Eis aí a mensagem dos Provadores de Vinagre.”
(HOFF, 1995, p. 5-7)
É muito interessante ler sobre esses três ensinamentos. Não
que um diminua o outro, mas apenas apontem formas diferentes de se ver a vida.
Poderíamos pensar que Confúcio nos leva à infância e a juventude da existência.
Nosso modo de querer compreender como tudo funciona, o modo “certo”, e que
quando não está como queremos, nos irritamos e nos tornamos azedos.
O budismo nos traz a quebra da ilusão desse mundo e a
aceitação do sofrimento como um companheiro de jornada. É a fase da juventude à
maturidade adulta onde devemos quebrar as ilusões de controle e desenvolver
resiliência, paciência, persistência e foco no que seja essencial. Porém
focando nessa aceitação a vida pode se tornar amarga.
O taoísmo pode ser o símbolo marcante da maturidade. Daquele
que avança décadas à frente e revela quem trilhou o caminho do crescimento
existencial. O significado de Lao-Tsé pode ser tanto “velho mestre” quanto
“criança velha”. É a conquista de conseguir olhar a vida, a existência com os
olhos de quem viveu muito, mas tem neste olhar a leveza que serenamente ri de
tudo o que observa - um olhar puro e cristalino de uma criança. Dessa forma a
vida pode ser doce.
Há uma outra explicação muito interessante no livro que é a
do Bloco Intocado. Justamente a simplicidade daquele que é “rústico” e em sua
singeleza consegue ter uma visão de mundo muito mais simples e leve.
Isso também me traz à lembrança uma passagem do livro: “O
mundo de Sofia”
“Vamos resumir: um coelho branco é tirado de dentro de uma
cartola. E porque se trata de um coelho muito grande, este truque leva bilhões
de anos para acontecer. Todas as crianças nascem bem na ponta dos finos pelos
do coelho. Por isso elas conseguem se encantar com a impossibilidade do número
de mágica a que assistem. Mas conforme vão envelhecendo, elas vão se arrastando
cada vez mais para o interior da pelagem do coelho. E ficam por lá. Lá embaixo
é tão confortável que elas não ousam mais subir até a ponta dos finos pelos, lá
em cima. Só os filósofos têm ousadia para se lançar nesta jornada rumo aos
limites da linguagem e da existência. Alguns deles não chegam a concluí-la, mas
outros se agarram com força aos pelos do coelho e berram para as pessoas que
estão lá embaixo, no conforto da pelagem, enchendo a barriga de comida e
bebida:
— Senhoras e senhores — gritam eles —, estamos flutuando no
espaço!
Mas nenhuma das pessoas lá de baixo se interessa pela
gritaria dos filósofos.
— Deus do céu! Que caras mais barulhentos! — elas dizem.
E continuam a conversar: será que você poderia me passar a
manteiga? Qual a cotação das ações hoje? Qual o preço do tomate? Você ouviu
dizer que a Lady Di está grávida de novo?"
(Jostein Gaarder)
Em que momento deixamos de ser blocos simples e intocados
para nos lapidar tanto a ponto de perdermos nossa essência da simplicidade da
matéria prima que nos forma?
Quando deixamos de nos surpreender com as coisas do mundo,
enxergando nosso entorno com os olhos curiosos de uma criança?
Quais acontecimentos marcaram páginas de nossa jornada e
encheram “nosso livro” de anotações e explicações, deixando para trás aqueles
simples rabiscos e desenhos que fazíamos quando tentávamos desenhar a vida da
maneira simples com que a víamos?
Talvez deixar para trás coisas desnecessárias já seja um bom
começo. Começar a olhar em volta e reparar no mundo, mas sem estar imerso e
preso em suas armadilhas.
Jogar o jogo da vida. Não jogar contra, não tentar ir na
direção oposta, ou se agarrar a algo tentando ir contra o fluxo. Mas existir
dentro da Vida.
Sentir o grande Tao. Sentir que é uma força que nos permeia.
Ver que a vida é simples, e que é na simplicidade que podemos encontrar a paz.
Provar o vinagre e decidir como vamos reagir a ele.
Disse o mestre zen: “O dedo serve para apontar a lua. O
sábio olha a lua. O ignorante olha o dedo.” O que estamos observando? E o que
estamos fazendo com isso? Simplesmente apreciamos ou tentamos forçar
explicações ou formas que muitas vezes podem ir contra o fluxo natural?
Talvez esse seja o que poderíamos chamar de “a tal da
simplicidade”, ou seria o “Tao” da simplicidade...? Entretanto, tentar explicar
e nomear nos faça justamente fugir do próprio conceito do simples, afinal...
“O tao que pode ser descrito não é o eterno Tao”, Lao-Tsé
Referências Bibliográficas
FISCHER. Wu Wei, a Arte de Viver o Tao
HOFF, B. O Tao do Pooh. São Paulo: Triom, 1995.
LAO-TSE. Tao Te King, texto e comentário de Richard Wilhelm.
Editora Pensamento.
GAARDER, JOSTEIN. O mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das
Letras, 2014
Soror Ὑπατία
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